Sonho Azul
Olívio Martins de Souza Torres
Sonho Azul era o nome de vagão dos trens da Rede Viação Cearense
(R.V.C), bem confortável, com ar condicionado, usado pela R.V.C tanto na linha
Norte (Fortaleza - Crateús) como na linha Sul (Fortaleza - Crato). Andar nele,
nas minhas viagens a Ipu, só quando comecei a trabalhar, pois a passagem era
mais cara. O trem era o transporte mais usado pela população do Estado, sendo
desativado para dar lugar ao transporte rodoviário. Coisas do Brasil
verde-amarelo!
Falando do Sonho Azul, ouvi dizer que muitas pessoas sonham em cores e
em preto-e-branco. Não me lembro da cor dos meus sonhos. Às vezes, sonho com o
Seminário Franciscano de Santo Antônio, em Ipuarana, Lagoa Seca (PB), com o
banco em que trabalhei (Banco do Nordeste do Brasil – BNB) e com o centenário
colégio Liceu do Ceará (fundado em 19.10.1845), onde concluí o 3.º Ano
Clássico, após deixar o Seminário.
No Liceu do Ceará fui também professor durante seis lustros, ministrando
aulas de Língua Portuguesa e de Literatura Brasileira e Portuguesa no turno da
noite, haja vista que os expedientes diurnos eram no BNB.
Outras vezes, em vez de sonhos dourados, tenho pesadelos. E o pior
dos pesadelos é quando sonho que o Convento de Ipuarana foi alienado. Que não
pertence mais à Província Franciscana de Santo Antônio, com sede em Recife
(PE), como os Conventos de Tianguá e de São Cristóvão que foram alienados.
Acordo aliviado, rogando a Deus que isto nunca aconteça.
Mas, ontem, em Fortaleza, antes da Missa da Ressurreição do colega
Saraiva, conversava com o amigo Dário Sampaio, ipuaranense e colega de banco,
dono da conceituada empresa SCOPA, especializada na construção de apartamentos
e de prédios comerciais, sobre a possibilidade, remota talvez, de o Convento de
Ipuarana ser exposto à venda pela Província Franciscana. E chegamos à conclusão
de que se isto, um dia, viesse a ocorrer, a maioria dos ex-alunos do Seminário
de Ipuarana, no Brasil e no exterior, se reuniriam e, num hercúleo esforço
conjunto, conseguiriam alavancar recursos para adquirir aquele território
sagrado, mesmo que tivessem de se desfazer de alguns de seus bens.
E iríamos todos morar lá, em Ipuarana, numa comunidade semelhante
àquela dos primeiros cristãos na Terra Santa. E, acatando a orientação de
Cícero, em De Senectute (Sobre a Velhice), iríamos nos dedicar à agricultura,
cultivando hortifrutigranjeiros, sem agrotóxicos, como já faz o ex-seminarista
franciscano Guimarães, o famoso João Cuscuz, meu colega de turma, em seu sítio
próximo a Ipuarana.
Pelo menos, já contaríamos com o conhecimento e a experiência do João
Cuscuz nessa área e, também, com a tecnologia dos colegas engenheiros
agrônomos. E iríamos levar uma vida saudável e tranquila como preconizava
o poeta latino Horácio (Epodos):
Beatus ille
qui procul negotíis,
ut prisca gens mortalium,
paterna rura bubus exercet suis,
solutus omni foenore.
(Feliz quem está longe dos negócios como os antepassados, tocando os
bois nos campos paternos, livre de todas as preocupações).
Meditando levemente, não como os budistas que são mestres nessa arte,
fico, às vezes, pensando neste indecifrável enigma - tal qual o da Esfinge - da
relação sentimental entre Ipuarana e seus ex-alunos. Não tenho a resposta.
Talvez seja a SSF (Síndrome de São Francisco) ou, como alguns dos ex-alunos
ligados ao campo já se expressaram, talvez seja porque fomos ferrados, a fogo,
com a marca registrada do Homem do Milênio - São Francisco de Assis.
O homo ipuaranensis parece ser uma espécie diferente - nem melhor nem
pior que as outras -, mas que ainda não foi explicado devidamente.
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