quinta-feira, 28 de fevereiro de 2013






Filhos e filhas,
Nesta quarta-feira (27) aconteceu na Praça São Pedro, no Vaticano, a última audiência pública do Papa Bento XVI. Assim, nesta quinta-feira (28), às 20h (horário de Roma e 16h no de Brasília), ele deixará o comando da Igreja e a Sé estará vacante. 
Muito se falou sobre a renúncia do Papa e muito ainda vai se falar, mas hoje quero partilhar com vocês alguns trechos dessa última audiência.
"Não abandono a cruz, mas permaneço de um modo novo, junto ao Senhor crucificado". Essa frase - de certa forma, uma resposta às críticas sobre a renúncia - revela todo o amor do Papa pela Igreja.
Outra citação que quero destacar é um exemplo de fé: "O Senhor nos doou tantos dias de sol e de leve brisa, dias no qual a pesca foi abundante; houve momentos também nos quais as águas eram agitadas e o vento contrário, como em toda a história da Igreja, e o Senhor parecia dormir. Mas sempre soube que naquela barca está o Senhor e sempre soube que a barca da Igreja não é minha, não é nossa, mas é Sua. E o Senhor não a deixa afundar; é Ele que a conduz, certamente também através dos homens que escolheu, porque assim quis. Esta foi e é uma certeza, que nada pode ofuscá-la".
Com estas citações me remeto ao dia em que Bento XVI foi eleito, em 19 de abril de 2005, e proclamou a frase: Um humilde servo da vinha do Senhor. Foi um pontificado que começou com simplicidade e que não poderia terminar de outra forma, ou seja, com humildade, coragem e muito amor pela Igreja de Jesus Cristo. 
Por isso, especialmente hoje, faço um convite para que em suas orações peçam que o Espírito Santo ilumine a Igreja, o colégio cardinalício que entrará em conclave e todo o povo de Deus.

Deus abençoe, 
Padre Reginaldo Manzotti


quarta-feira, 27 de fevereiro de 2013


A lista dos nomes considerados traz ainda outros representantes da Europa, Canadá, Estados Unidos e também da América Latina - entre eles, o brasileiro Odilo Pedro Scherer, arcebispo de São Paulo.
Embora não existam pré-requisitos oficiais para ser um "papável", há mais de 600 anos eles elegem entre si o novo Papa. Atualmente, existem 119 cardeais eleitores, isto é, com menos de 80 anos e que podem votar.
Durante o período de transição, quem administra a Igreja é o colégio de cardeais, especialmente na figura do "camerlengo", o responsável pelos bens da Cidade do Vaticano. Trata-se do Secretário de Estado, o "número dois" do Vaticano, atualmente o cardeal italiano Tarciso Bertone.
Pela proximidade com o Papa, Bertone é um dos candidatos naturais para suceder Bento XVI, embora neste momento não seja o favorito. Sua função envolve grande autoridade política e diplomática e, por isso, ele conhece bem o funcionamento do Vaticano.
Pertence à congregação dos religiosos Salesianos de Dom Bosco (SDB), uma das mais bem sucedidas na atualidade, conhecida no Brasil pela atuação na área de educação. No entanto, boa parte dos cardeais não enxerga em Bertone um bom administrador e muito menos um bom "pastor". Alguns erros de gestão e o recente escândalo de vazamento de documentos secretos do Vaticano, que ficou conhecido como "VatiLeaks", enfraqueceram sua imagem. Ele certamente receberá votos no conclave, mas uma eventual eleição de Bertone para o papado seria uma surpresa, pois seu nome divide mais do que congrega.
O favorito Angelo Scola, da arquidiocese de Milão, uma das mais importantes da Itália, é especialista em antropologia teológica e muito alinhado a Bento XVI, o que é visto como uma qualidade. Ambos são pensadores católicos. Scola é mais extrovertido e carismático do que Ratzinger.
É muito aclamado em Milão e, portanto, está acostumado com multidões. Seus fãs dizem que Scola mistura a autoconfiança de João Paulo II com a intelectualidade de Bento XVI. Ele tem 71 anos, idade que lhe confere ampla experiência como religioso, bispo e administrador, sinalizando que seu pontificado duraria até 20 anos - seria mais longo do que o de Bento XVI, Papa por apenas sete anos. Porém, é justamente a idade que pode tirar votos de Scola: alguns cardeais querem um papado mais longo.
Contra Scola também está o fato de que ele nunca ocupou um cargo no Vaticano e, além disso, representaria o segundo pontificado consecutivo de intensos ensinamentos teológicos, o que poderia ser considerado um excesso. Também pesa sua nacionalidade italiana, pois alguns cardeais acreditam que é preciso renovar, escolhendo alguém diferente, talvez até de fora da Europa.
Brasileiro
O brasileiro Odilo Pedro Scherer, arcebispo de São Paulo, não é considerado um favorito, mas sua eleição tampouco seria uma surpresa. Scherer lidera a mais importante arquidiocese do Brasil - país com maior número de católicos - e uma das maiores da América Latina. Isso atribui a ele grande visibilidade e experiência pastoral. O cardeal brasileiro também tem ampla vivência em Roma, onde trabalhou e estudou por sete anos. Outra qualidade a ser notada pelos cardeais é o fato de Scherer dialogar com diferentes movimentos, desde os grupos mais tradicionalistas, como Opus Dei e os Focolares, até os mais novos, como a Renovação Carismática Católica (RCC), e as pastorais sociais. Ele poderia ser um candidato de consenso, alinhando europeus e latino-americanos, tradicionais e moderados.
Em entrevista ao Estado, em maio de 2012, o arcebispo de São Paulo disse que não imaginava a possibilidade de ser Papa. "Só um será eleito Papa e existem tantos que podem ser escolhidos! É o conclave que decide, não alguém que se propõe ou que diz 'quero ser Papa' ou 'vote em mim, eu vou ser Papa'", explicou o cardeal Scherer. "Não passa pela minha cabeça outra coisa além de ser arcebispo de São Paulo."
Observadores costumam dizer que embora os brasileiros sejam vistos em Roma como homens simpáticos, não são firmes o suficiente para o papado. Outra dúvida a ser levantada no conclave é se Scherer vem respondendo à altura ao crescimento das igrejas evangélicas e ao fortalecimento do ateísmo no Brasil. O fato de ser de família alemã também pode ser um empecilho, pois, para alguns, representaria o segundo Papa "alemão" consecutivo. Com 63 anos, seria esperado do eventual Papa brasileiro um longo pontificado.
América Latina
O cardeal argentino Leonardo Sandri é um dos preferidos, pois trabalha no Vaticano como Prefeito da Congregação para as Igrejas Orientais, foi Vice-Secretário de Estado entre 2000 e 2007 e é visto como um bom administrador. Para alguns, seria a pessoa ideal para restaurar a ordem na cúria romana, perdida durante a administração de Bertone - Bento XVI foi um Papa mais teólogo e professor do que administrador, dizem analistas do Vaticano.
Outra vantagem de Sandri é o fato de ser de família italiana, mas nascido na Argentina, um país em desenvolvimento. Ele tem, portanto, um pé na tradição e outro no futuro. Teologicamente, é alinhado ao ensinamento da Igreja e, como bom diplomata, é moderado em questões políticas. Porém, Sandri pode ter sua imagem "contaminada" por erros da gestão de que participou como Vice-Secretário de Estado. Além disso, seu cargo atual não é de grande destaque e alguns acreditam que ele seria um ótimo Secretário de Estado, no lugar de Bertone, e não um Papa. Outra debilidade do argentino é a ausência de experiência pastoral ou como bispo diocesano.
Outro cotado para o papado na América é o hondurenho Oscar Andrés Rodríguez Maradiaga, arcebispo de Tegucigalpa. Destaca-se por ser uma pessoa carismática e de fácil comunicação. Alguns o chamam de "João Paulo II latino-americano". É atualmente presidente da obra social Caritas Internationalis, a mais notável e reconhecida instituição de caridade católica do mundo. Salesiano como Bertone, Maradiaga viveu em Roma e Turim.
Sua reputação foi parcialmente manchada, no entanto, por ele ter apoiado no início o golpe militar contra o ex-presidente de Honduras Manuel Zelaya, em junho de 2009, ocasião que mobilizou a diplomacia internacional. Outro ponto fraco é que Maradiaga, ordenado bispo com apenas 35 anos, teve pequena experiência pastoral como padre.
Segundo observadores do Vaticano - jornalistas, religiosos, acadêmicos e diplomatas - entre os papáveis há cardeais que ocupam cargos importantes na cúria romana e outros mais afastados, mas a escolha sempre pode surpreender. O cardeal Joseph Ratzinger era um papável e, de fato, se tornou Bento XVI. Mas seu antecessor, João Paulo II, era um jovem desconhecido, cujo nome, Karol Wojtyla, os cardeais mal sabiam pronunciar.
De qualquer forma, o perfil do papa eleito deve sinalizar qual é o rumo que os cardeais pretendem dar à Igreja Católica nos próximos anos. Eles devem avaliar ao menos cinco aspectos principais na escolha do novo pontífice: idade, que ajuda a estimar quanto tempo deve durar o pontificado; experiência pastoral e fidelidade ao ensinamento teológico da Igreja; experiência como governante ou administrativa - ter sido bispo de uma grande diocese pode ser uma qualidade; experiência política, para mediar conflitos e se relacionar com autoridades de outros países; carisma, pois o Papa precisa lidar com multidões e saber se comunicar.
  


Cinco cardeais brasileiros devem participar de eleição do próximo papa

11/02/2013 - 10h50
Da BBC Brasil
Brasília - Cinco cardeais brasileiros devem participar do conclave que se reunirá para eleger o sucessor do papa Bento XVI. Ele anunciou hoje (11) que deixará o posto no dia 28 de fevereiro. Segundo a última lista do Vaticano, atualizada há duas semanas, há um total de 119 cardeais aptos a votar no conclave. Para poder participar da escolha do papa, o cardeal precisa ter menos de 80 anos.
O Brasil tem um total de nove integrantes no Colégio Cardinalício do Vaticano, mas quatro deles já ultrapassaram a idade limite.
Os cardeais brasileiros que poderão votar são dom Cláudio Hummes, de 78 anos, ex-arcebispo de São Paulo e atual prefeito emérito da Congregação para O Clero; dom Geraldo Majella Agnelo, de 79, arcebispo emérito de Salvador; dom Odilo Scherer, de 63, arcebispo de São Paulo; dom Raymundo Damasceno Assis, de 76, arcebispo de Aparecida; e dom João Braz de Aviz, de 64, arcebispo de Brasília.
Dom Eusébio Scheid, arcebispo emérito do Rio de Janeiro, está fora do conclave por ter completado 80 anos em dezembro. Também já ultrapassaram a idade limite os cardeais dom Paulo Evaristo Arns, de 91 anos, ex-arcebispo de São Paulo; dom Serafim Fernandes de Araújo, de 88, ex-arcebispo emérito de Belo Horizonte; e dom José Freire Falcão, de 87, ex-arcebispo de Brasília.
A lista de eleitores no conclave tem cardeais de cerca de sete dezenas de países diferentes. Os cardeais italianos são os de maior número.
Segundo o porta-voz do Vaticano, Federico Lombardi, o conclave deverá ser realizado entre 15 e 20 dias após a saída de Bento XVI. "Devemos ter um novo papa até a Páscoa", afirmou Lombardi.

terça-feira, 26 de fevereiro de 2013


“Sou um humilde operário da vinha do Senhor”, foram as primeiras palavras de Bento XVI, aos 19 de abril de 2005, quando, logo após ser eleito Papa, apareceu na sacada da Basílica de São Pedro, com semblante sereno e tímido, acenando para a multidão que o saudava. Após uma jornada árdua e fecunda de oito anos, este “humilde operário” surpreende a Igreja e o mundo, causando comoção e reações diversas, ao comunicar a sua renúncia, no dia 11 de fevereiro. Na ocasião, agradeceu aos cardeais a colaboração recebida nestes anos e pediu-lhes perdão pelos seus “defeitos”. Após a renúncia, em 28 de fevereiro, o 265º Sucessor de Pedro, teólogo erudito, continuará a ser o “humilde operário da vinha do Senhor”, agora, através de “uma vida consagrada à oração”, segundo ele mesmo declarou.

Muito se tem falado e escrito sobre o significado do gesto inusitado de Bento XVI e suas implicações para a Igreja. “Surpresa” foi uma das palavras mais empregadas pelas pessoas, de coroinhas a cardeais, diante da renúncia do Papa. Embora Bento XVI já tivesse admitido a possibilidade da renúncia de um papa em entrevista e dela ser prevista pelo Direito Canônico, há seis séculos isso não ocorria. A passagem da sede plena para sede vacante tem ocorrido, quase sempre, na história da Igreja, pela morte do Papa; a outra modalidade, que é a renúncia, tem sido raríssima. A mais evocada tem sido a renúncia de Celestino V, cujo túmulo, Bento XVI quis visitar em sua passagem por Áquila, em 2009.

Passado o momento inicial de enorme surpresa, se multiplicam informações e análises a respeito do seu pontificado e das motivações da sua decisão, estampadas na mídia. Ao mesmo tempo, cresce a curiosidade a respeito do seu sucessor e os “papáveis” vão sendo eleitos a todo o momento em redes sociais, noticiários e programas televisivos. A renúncia do Papa tem recebido diferentes significados, segundo a ótica de quem os atribui. Contudo, alguns aspectos vão se tornando mais evidentes.

O espaço amplo e continuado recebido na mídia nacional e internacional faz pensar na relevância do Papa numa época em que o secularismo e o laicismo tendem a se globalizar. No Brasil, isso começou a ocorrer em pleno carnaval. Apesar das muitas gafes e imprecisões cometidas, é admirável o volume de informações lançadas, na mídia, a todo o momento sobre a renúncia, sinal da importância da figura do Papa na Igreja e no mundo, que ultrapassa a pessoa que ocupa a cátedra de Pedro. Pronunciamentos de líderes políticos e religiosos, de diferentes culturas e confissões religiosas, comprovam que o Papa continua a ser uma liderança mundial, sobretudo, no âmbito da justiça e da paz, o que aumenta ainda mais a sua responsabilidade.

Inúmeras pessoas tem ressaltado a grandeza do gesto de Bento XVI, especialmente, a sua humildade, coragem e amor à Igreja. Aquele que se declara fisicamente frágil, “devido à idade avançada”, segundo o seu comunicado da renúncia, se revela espiritualmente forte, pois somente um homem forte e corajoso seria capaz de um gesto tão exigente e impactante. Ele assumiu tal decisão, serenamente, de modo consciente e livre, “diante de Deus”, pelo bem da Igreja, pois reconhece que suas forças “já não são idôneas para exercer adequadamente o ministério petrino”. Num mundo marcado pela idolatria do poder, a renúncia de BentoXVI adquire especial sentido profético, interpelando aos que se apegam ao poder. O seu gesto é portador de valores; faz pensar sobre o sentido do poder como serviço, sobre a perenidade de valores éticos e espirituais fundamentais para a humanidade, em meio à provisoriedade deste mundo.

Neste contexto, muitos têm recordado a figura do saudoso papa João Paulo II, beatificado e admirado por Bento XVI, incorrendo no equívoco de contrapor as posturas de ambos, no final do pontificado. A aparente contradição se desfaz quando se tem presente que o modo de ambos procederem expressava o mesmo amor generoso pela Igreja. Os dois expressaram, por diferentes meios, segundo as circunstâncias e a personalidade de cada um, a busca incansável do bem da Igreja.

A missão do papa sempre será muito exigente e desgastante, pela sua amplitude, especialmente, diante dos desafios do mundo de hoje à missão evangelizadora da Igreja. A cruz que acompanha todo o cristão será sentida sempre com maior peso nos ombros do papa. Contudo, assim como, a vida cristã não pode ser reduzida à dimensão da cruz, a vida e a missão do Papa não podem ser reduzidas aos problemas e desafios encontrados dentro e fora da Igreja, durante o seu pontificado. Além disso, há desafios no atual contexto sociocultural, especialmente, na Europa, que ultrapassam o âmbito da Igreja Católica, interpelando as diversas Igrejas cristãs, isto é, o Cristianismo. O enfraquecimento da vivência cristã e do vínculo com as instituições religiosas, constatado na realidade europeia, desafia também as outras Igrejas cristãs, também aquelas com posturas mais liberais no campo moral. O que está em jogo, em última análise, é o sentido da vida e a relevância da fé cristã enquanto referencial para as pessoas e a sociedade. Análises simplistas ou reducionistas do pontificado de Bento XVI não permitem enxergar o seu real alcance, nem compreender o que ocorre com o Cristianismo como um todo na Europa e no mundo ocidental.

O Papa Bento XVI, tido como conservador, iniciou o seu pontificado surpreendendo a Igreja e o mundo com uma encíclica sobre o amor, a “Deus caritas est”. Nela, recorda que Deus é amor, explica o significado do amor cristão e define a Igreja como “comunidade de amor”. A primeira carta encíclica é considerada programática; inspira e traça rumos para o pontificado. O seu duro trabalho na Congregação para a Doutrina da Fé levava muita gente a esperar algo numa tradicional linha dogmática. Ele surpreendeu recordando o “dogma” mais antigo e sempre novo: “Deus é amor!” Está terminando o seu pontificado, surpreendendo, novamente a todos, não apenas com sua renúncia, mas também com outros gestos e pronunciamentos em que expressa a sua fé e o seu amor à Igreja. No seu último encontro com o clero de Roma, dia 14 de fevereiro, ao invés de um discurso formal, quis ter uma “conversa sobre o Concílio Vaticano II”, ora comovendo às lágrimas, ora causando risos, pelas histórias contadas sobre a sua participação, como perito, no Concílio. Assim afirmou: “temos que trabalhar para que o verdadeiro Concílio Vaticano II, com a força do Espírito Santo, se realize e seja renovada a Igreja”. Tal tarefa, a ser compartilhada pelo clero de Roma e pela Igreja no mundo inteiro, será continuada pelo 266º Sucessor de Pedro, o novo Sumo Pontífice a ser eleito no conclave, já tão esperado por todos. No dia 28 de fevereiro, Bento XVI deixará o palácio apostólico do Vaticano para entrar na história como o Papa que surpreendeu o mundo. O Brasil, que teve a graça de receber a visita de Bento XVI, em 2007, aguarda, ansiosamente, a visita do novo Papa na Jornada Mundial da Juventude, no final de julho deste ano.

Por Dom Sergio da Rocha, Arcebispo de Brasília
*Artigo escrito para o jornal Correio Braziliense, publicado no dia 17/02/2012

domingo, 24 de fevereiro de 2013


Nascido na então fazenda Santa Quitéria era um dos cinco filhos do capitão Antônio Pompeu de Sousa Catunda e de Inocência Pinto de Mesquita. Seu pai era irmão de Tomás Pompeu de Sousa Brasil e primo dos padres Gonçalo Mororó e Miguelinho. Antônio e Inocência eram primos em segundo grau e eram bisnetos de João Pinto de Mesquita, o colonizador pioneiro da região de Santa Quitéria.
Ainda jovem, em 1849, foi levado por seu tio e padrinho para estudar em Fortaleza, no Liceu do Ceará. Em 1853, ingressou no Exército Brasileiro, indo prestar serviço no Primeiro Batalhão de Artilharia, no Rio de Janeiro, e, entre 1857 e 1860, estudou Agrimensura na Escola Militar. Após sua baixa, seguiu para Alagoas em comissão para o governo, a demarcar as terras devolutas do Urucu.
Aprovado em concurso público, tomou-se funcionário da Alfândega do Ceará, em 1864, servindo também em Maceió. Três anos depois, foi nomeado professor de instrução primária no Ipu. No ano seguinte, foi nomeado Oficial maior da Secretaria do Governo e, em 1879, Secretário da Relação do Distrito. Foi professor de Filosofia do Liceu do Ceará (1882) e professor de Alemão da extinta Escola Militar do Ceará, representou o Ceará na Assembleia Provincial nos biênios de 1866—67, 78-79, 80-81 pelo Partido Liberal e fez parte do Conselho de Instrução Pública.
Enquanto seu tio foi vivo, respeitou suas ideias monárquicas e tomou parte nas lutas do Partido Liberal. Depois de sua morte, juntamente com alguns amigos, como Adolfo Caminha, José do Amaral, João Cordeiro, João Lopes, Jovino Guedes e Antônio Sales, fundou o Centro Republicano do Ceará.
Nas eleições de 1890 foi eleito Senador da República, sendo reeleito seguidamente até o seu falecimento, aos 73 anos de idade na cidade do Rio de Janeiro, vítima de uma gripe intestinal, realizando-se o seu enterro na tarde do dia seguinte no Cemitério São João Batista.
Foi casado com a paulista Maria Libânia Catunda, com quem teve dois filhos:


IRACEMA E LUZIA-HOMEM: ARQUÉTIPOS FEMININOS DA LITERATURA CEARENSE.
José de Alencar e Domingos Olímpio tiveram cada qual a sua época um papel decisivo na literatura cearense e brasileira. O primeiro inspirou sua obra em um tempo em que a identidade do Brasil era formada enquanto que o outro optou narrar a bravura já nascente da mulher cearense no período causticante da seca.

Iracema e Luzia-Homem. Duas abordagens diferentes de arquétipos femininos mas tendo em comum a característica mais definidora de heroína cearense, a força.

Enquanto Iracema ama desapegadamente o europeu português, e chora sua partida percorrendo as margens da lagoa de Messejana:

"Tão rápido partia de manhã, como lenta voltava à tarde. Os mesmos guerreiros que a tinham visto alegre nas águas da Parangaba, agora encontrando-a triste e só, como a garça viúva, na margem do rio, chamavam aquele sítio de Messejana, que significa a abandonada".

A brava Luzia-Homem recorda triste já distante sua terra:

"Ao espetáculo do alvorecer sem alegria, o campo desolado, sem cântico de pássaros e rumores harmoniosos do trabalho venturoso e fecundante, ela revia sua infância na fazenda Ipueiras: a campina verdejante umedecida de orvalho congregando no côncavo das folhas em gotas trêmulas".

A índia tabajara desconhece a seca, sua batalha embora exterior se projeta do interior em busca do amor. A retirante de Domingos Olímpio procura sobreviver e nesta luta aprende a bravura dos homens, não perdendo sua feminilidade mas tornando-se mais forte do que a cruel realidade ditada pelas secas já vividas.

Quando o primeiro cearense nasce o guerreiro está distante, mas Iracema alimenta Moacir (filho do sofrimento) até que as tetas neguem o leite e passem a brotar sangue. Luzia-Homem entrega seus sonhos ao futuro incerto de retirante, sempre encontrando nos povoados em que se abriga a sensação de desamparo.

A serra da Ibiapaba está nos dois livros presentes, em Iracema vem da serra a água fresca que lhe banha o corpo e esverdeia toda mata conhecida pela índia. É na citação da serra no início do capítulo segundo, que o autor nos apresenta sua personagem:

"Além, muito além daquela serra, que ainda azula no horizonte nasceu Iracema.

Iracema, a virgem dos lábios de mel, que tinha os cabelos mais negros que a asa da graúna, e mais longos que seu talhe de palmeira".

Em Luzia-Homem ela é vista como um Eldorado distante, sempre a marcar as noites com relâmpagos que prenunciam de acordo com o tempo o período chuvoso ou a escassez vindoura:

"Olhares ansiosos procuravam, em vão, o fuzilar de relâmpagos longínquos a pestanejarem no rumo do Piauí, desvelando o perfil negro da Ibiapaba. Nada; nem o mais ligeiro prenúncio das chuvas de caju".

José de Alencar de forma sutil descreve com esmero a simbiose da nativa ao ambiente:

"Um dia, ao pino do Sol, ela repousava em um claro da floresta. Banhava-se o corpo a sombra da oiticica, mais fresca do que o orvalho da noite. Os ramos da acácia silvestre esparziam flores sobre os úmidos cabelos. Escondidos na folhagem os pássaros ameigavam o canto".

Domingos Olímpio narra em Luzia-Homem uma passagem curiosa e nativa:

"...Veja só. Ninguém está contente com a sua sorte... Eu tenho usado tudo quanto me ensinam; óleo de coco, enxúndia de galinha, uma porção de porcarias... Cheguei até a botar nos meus, remédios de botica. Foi mesmo que nada... Sempre ficaram nestes rabichos que nem me chega às cadeiras...

- Enfim, cada um como Deus o fez...

- Porque não os ensaboas com raspa de juá? Todas as moças, na redondeza das Ipueiras, tem cabelos lindos, que crescem depressa - dizem - por causa da água de lá, que é virtuosa, de tal raspa..."

No primeiro trecho a índia comunga com a natureza em harmonia, recebendo dela o que de graça está lhe dando, no segundo já há uma influência do naturalismo fugindo do lirismo em que se desenvolve o romance alencarino, a natureza dá mas tem que ser colhida.

O luar é uma presença constante e quase ritual nas duas obras:

"A Lua das flores vai nascer. É o tempo da festa, em que os guerreiros tabajaras passam a noite no bosque sagrado, e recebem do Pajé os sonhos alegres. Quando estiverem todos adormecidos, o guerreiro branco deixará os campos de Ipu, e os olhos de Iracema, mas sua alma, não".

Em Luzia-Homem:

"- Que bonito luar, Luzia. Dá vontade à gente de passar a noite em claro. Como está bem visível. São Jorge e o cavalo empinado. Diziam-me um tapuio velho da serra Grande que a lua protege a quem quer bem. Quando uma tapuia gentia tinha saudades do marido ausente, olhava para ela, e lá lhe aparecia o retrato da criatura querida, ou nela casavam, conduzidas pelos olhares, as almas do par, separado por léguas de distância".

Existe no entanto a harmonia de dois arquétipos feminos entre os romances apresentados e mesmo o primeiro sendo um conto romântico e o segundo uma narrativa de caráter naturalista, a própria feminilidade e a sua força são um elo inquestionável entre as duas protagonistas.

Enquanto o romantismo permeia a história de Iracema, levando-nos a caminhar por disputas entre o índio e o branco conquistador. A realidade mais cruenta do sertanejo nos é imposta por Domingos Olímpio na saga da sua heroína que de forma rude se impõe perante o clima hostil da seca e sua humilhante condição de retirante maltrapilha.

Iracema e Luzia-Homem amam, sofrem e morrem de forma dramática mas corajosa.

José de Alencar escreveu: "Pousando a criança nos braços paternos, a desventurada mãe desfaleceu, como a jetica se lhe arrancam o bulbo. O esposo viu então como a dor tinha consumido seu belo corpo; mas a formosura ainda morava nela, como o perfume na flor caída do manacá".

Domingos Olímpio assim narra a morte de Luzia-Homem: "Luzia conchegou ao peito as vestes dilaceradas, e com a destra, tentou lhe garrotear o pescoço; mas, sentiu-se presa pelos cabelos e conchegada ao soldado que, em convulsão horrenda, delirante, a ultrajava com uma voracidade comburulente de beijos. Súbito, ela lhe cravou as unhas no rosto para afastá-lo e evitar o contato afrontoso.

Dois gritos medonhos restrugiram na grota. Grapiúna  louco de dor, embebera-lhe no peito a faca, e caía com o rosto mutilado, deforme, encharcado de sangue.

- Mãezinha! ... - balbuciou Luzia, abrindo os braços e caindo, de costas, sobre as lajes".

Iracema foi publicado em 1865. Na época do lançamento do livro, Ipu já era um próspero município, mas ainda guardando como precioso tesouro a Bica feito um véu de noiva que a índia tabajara se banhava para tirar o suor salgado das praias do litoral quando no sítio chegava. Domingos Olímpio ao colocar como lugar de forjamento da índole forte e batalhadora de Luzia Homem a fazenda Ipueiras, lançou mão da mesma estratégia de seu conterrâneo, regressou a um período mais próximo da história cearense, fato este ao se constatar que no ano de lançamento de Luzia Homem (1903), a fazenda Ipueiras já não mais existia, havia se tornado município em 1883, completando na época vinte anos de municipalidade, ambos os autores remontaram as origens primitivas dos sítios em que desejavam narrar suas tramas. .

Iracema e Luzia-Homem são os dois arquétipos femininos mais fortes presentes na literatura cearense, são protagonistas de tramas cativantes e dolorosas e por isso merecedoras de respeito e estudo a todos que amam a boa literatura.



sábado, 23 de fevereiro de 2013



PRAÇA DE IRACEMA OU JARDIM DE IRACEMA

Plantada entre o Banco do Brasil e a Telemar, ainda hoje existe o Jardim de Iracema depois de passar por várias modificações desde a sua formação primeira até hoje quando é portadora de uma arquitetura das mais sobresdrúxulas já acontecida na história administrativa deste município.
A sua inauguração se deu no dia 07 de setembro de 1927, pelo primeiro Prefeito eleito de Ipu, Cel. Felix Martins de Sousa, que no ato inaugural pronunciou as palavras: “ESTÁ INAUGURADO O JARDIM DE IRACEMA”.

Na sua forma arquitetônica inicial foi arvorado um Coreto que servia para apresentações artísticas e outras mais.
Outras modificações aconteceram, sendo construído no local do Coreto um Lago feio e sujo com uma Garça bem no centro que servia para os vândalos exercitarem as suas pontarias.

Em seguida veio à terceira reforma, foi edificada com todas as pompas a Iracema, o nosso mito maior a única do mundo, foi destruída por um Prefeito que não sabe o que é crueldade e nem malvadeza e nem muito menos tem conhecimento de Cultura, é um estranho na terra de ninguém, um escatológico sem precedentes. Não sabe o que é Patrimônio Histórico, será um vândalo? Ou aquele produtor de cataclismo que aqui se instalou neste Ipu de todos nós.

E assim foi realizada pelo inópio Prefeito a quarta reforma, sem planejamento sem uma seqüência de passeios ou avenida ou até mesmo um local de lazer, mas está bem parecido com um local de esconderijo propiciando a marginalização e muito especialmente a prostituição.

Quinta Reforma. Sofreu mais uma vez toda descaracterização parecendo mais um calçadão para passeios outros. As duas estátuas de Iracema e do Guerreiro Branco é um destaque aparte. Os Bancos sem uma originalidade sem igual. O jardim está bonito.





"Iracema" - Resumo e análise do livro de José Alencar

Escrito em prosa poética, esse romance é um dos principais representantes da vertente indianista do movimento romântico e traça uma espécie de mito de fundação da identidade brasileira
A narrativa de Iracema estrutura-se em torno da história do amor de Martim por Iracema.
Diferentemente do que ocorre em outros romances de José de Alencar, como O Guarani, o enredo de Iracema é aberto a interpretações. A relação entre Martim e Iracema significa a união entre o branco colonizador e o índio, entre a cultura européia, civilizada, e os valores indígenas, apresentados como naturalmente bons. É uma espécie de mito de fundação da identidade brasileira.

Ainda menino, Alencar fez uma viagem pelo sertão. A experiência dessa viagem de garoto seria constantemente evocada pelo futuro escritor em seus romances, com imagens e impressões da exuberante natureza brasileira. Alguns espaços merecem destaque por ser palco de importantes acontecimentos desse romance: o campo dos tabajaras, onde fica a taba do pajé Araquém, pai deIracema; a taba de Jacaúna, na terra dos potiguaras (ou pitiguaras); a praia em que vivem Martim e Iracema e onde nasce Moacir. 

IMAGENS E METÁFORAS 
Uma das grandes habilidades de Alencar está em representar o pensamento selvagem por meio de uma linguagem cheia de imagens e de metáforas. Sabe-se que as sociedades que não avançaram no terreno da lógica argumentativa (que pressupõe noções científicas básicas) têm em contrapartida grande riqueza no plano mitológico. Elas se valem dos mitos e das histórias para explicar o mundo. 
O pensamento do selvagem é imagético e, por isso, está muito próximo da poesia. Vê-se nesse ponto como o autor soube unir forma e conteúdo. De outro modo seria difícil caracterizar a linguagem do índio sem prejuízo da verossimilhança. 

BASE HISTÓRICA 
A narrativa inicia-se em 1608, quando Martim Soares Moreno é indicado para regularizar a colonização da região que mais tarde seria conhecida como Ceará.


José de Alencar era leitor assíduo de Walter Scott, criador do romance histórico, e foi influenciado por esse escritor. Como em vários romances de Alencar, Iracema mistura ficção e documento, com enredo que toma como base um argumento histórico. Essa junção se deve também ao projeto de criação de uma literaturanacional, no qual Alencar e os demais escritores românticos do seu tempo estavam fortemente empenhados.


Ainda quanto ao aspecto histórico, que o autor levou em conta ao compor a obra, ressalte-se que os índios potiguaras (habitantes do litoral) eram aliados dos portugueses, enquanto os tabajaras (habitantes das serras cearenses) eram aliados dos franceses. 

ENREDO 
A primeira cena antecipa o fim do livro, o que reforça a unidade da obra: Martim e Moacir deixam a costa do Ceará em uma embarcação, quando o vento lhes traz aos ouvidos o nome deIracema.


No segundo capítulo, a narrativa retrocede no tempo até o nascimento de Iracema. A personagem é então apresentada ao leitor: “Virgem dos lábios de mel, que tinha os cabelos mais negros que a asa da graúna, e mais longos que seu talhe de palmeira”. A índia é descrita como uma linda e excelente guerreira tabajara, “mais rápida que a ema selvagem”. Por isso mesmo, sua reação ao avistar o explorador Martim é desferir-lhe uma flechada certeira. Essa é também uma referência à flecha de cupido, já que, desde o primeiro olhar trocado pelos personagens, se percebe o amor que floresce entre os dois.


Martim desiste de atacar a índia assim que põe os olhos nela.Iracema, por sua vez, parece atirar a flecha por puro reflexo, pois logo depois se arrepende do gesto e salva o estrangeiro, levando-o até sua aldeia.


Martim é recolhido à aldeia pelo pajé Araquém, pai de Iracema, e apresenta-se a ele como um aliado de seus inimigos potiguaras que se perdera durante uma caçada. O pajé o trata com grande hospitalidade e garante hospedagem, mulheres e a proteção de mil guerreiros.


Iracema oferece mulheres a Martim, que prontamente as recusa e revela sua paixão por ela. O amor de Martim é cristão, idealizado. O de Iracema também, mas por motivo diverso: ela guarda o segredo da jurema, por isso precisa manter se virgem. Esse é o estratagema que Alencar utiliza para transpor o amor romântico europeu às terras americanas. Uma índia, criada fora dos dogmas cristãos, não teria motivos para preservar sua virgindade. 

AMOR PROIBIDO 
As proibições reforçam ainda mais o amor entre a índia e o português. São as primeiras de muitas provações que tal união terá de enfrentar. Em linhas gerais, o romance estrutura-se no embate entre tudo o que une e o que separa os dois amantes.


Irapuã é o chefe guerreiro tabajara e funcionará, no esquema narrativo da obra, como um antagonista de Martim. Na primeira desavença entre os dois, o velho pajé Andira, irmão de Araquém, intervém em favor do estrangeiro. Iracema pergunta ao amado o motivo de sua tristeza e, percebendo que ele tinha saudade de seu povo, pergunta se uma noiva branca espera pelo seu guerreiro. “Ela não é mais doce do que Iracema”, responde Martim. Irapuã nutre amor não correspondido pela virgem e logo reconhece no português um inimigo mortal.


Iracema conduz Martim ao bosque sagrado, onde lhe ministra uma poção alucinógena. O guerreiro branco delira, e a índia adormece entre os seus braços.


Enquanto isso, Itapuã continua alimentando planos para se livrar do estrangeiro. O amor entre os protagonistas parece impossível de se concretizar, por isso Martim é coagido por Iracema a voltar para sua terra. Caubi, irmão de Iracema, acompanha-os. No caminho de volta, porém, são atacados por guerreiros liderados por Irapuã. Martim, Iracema e Caubi refugiam-se na taba do pajé Araquém, que usa de um truque para salvar o português da ira do chefe guerreiro.


Sucede-se o encontro amoroso entre Martim e Iracema, narrado delicadamente pelo autor. Martim está inconsciente por ter ingerido a bebida da jurema e a índia deita-se ao seu lado. A frase “Tupã já não tinha sua virgem na terra dos tabajaras” é a sutil indicação de que a união amorosa se realizara. 
Os acontecimentos que se seguem têm como pano de fundo a guerra entre potiguaras e tabajaras. Martim escapa de seus inimigos tabajaras e une-se aos vencedores potiguaras. Iracema, porém, sente-se profundamente triste pela morte dos entes queridos e não suporta viver na terra de seus inimigos.


O casal muda-se então para uma cabana afastada, localizada numa praia idílica. Com eles vai Poti, o grande amigo de Martim. Lá vivem um tempo de felicidade, culminando com a gravidez de Iracema e o batismo indígena de Martim, que recebe o nome de Coatiabo, ou “gente pintada”. Com o passar do tempo, contudo, o português se entristece por não poder dar vazão a seu espírito guerreiro e por estar com muita saudade de sua gente. A bela índia tabajara também se mostra cada vez mais triste. 
Numa ocasião em que Martim e Poti saem para uma batalha, nasce o filho, Moacir. Quando os dois amigos voltam da guerra, encontramIracema à beira da morte. O corpo da índia é enterrado aos pés de um coqueiro, em cujas folhas se pode ouvir um lamento. Daí vem o nome Ceará, canto de sua jandaia de estimação, uma ave que sempre a acompanhava. 

CONCLUSÃO 
Iracema, por amor a Martim, abandona família, povo, religião e deus. É uma clara referência à submissão do indígena ao colonizador português. Alguns dizem que o nome Iracema é também um anagrama de América.

Além, muito além daquela serra, que ainda azula no horizonte, nasceu Iracema. 
Iracema, a virgem dos lábios de mel, que tinha os cabelos mais negros que a asa da graúna, e mais longos que 
seu talhe de palmeira. 
O favo da jati não era doce como seu sorriso; nem a baunilha recendia no bosque como seu hálito perfumado. 
Mais rápida que a corça selvagem, a morena virgem corria o sertão e as matas do Ipu, onde campeava sua 
guerreira tribo, da grande nação tabajara. O pé grácil e nu, mal roçando, alisava apenas a verde pelúcia que vestia a 
terra com as primeiras águas. 
Um dia, ao pino do Sol, ela repousava em um claro da floresta. Banhava-lhe o corpo a sombra da oiticica, mais 
fresca do que o orvalho da noite. Os ramos da acácia silvestre esparziam flores sobre os úmidos cabelos. Escondidos 
na folhagem os pássaros ameigavam o canto. 
Iracema saiu do banho: o aljôfar d’água ainda a roreja, como à doce mangaba que corou em manhã de chuva. 
Enquanto repousa, empluma das penas do gará as flechas de seu arco, e concerta com o sabiá da mata, pousado no 
galho próximo, o canto agreste. 
A graciosa ará, sua companheira e amiga, brinca junto dela. Às vezes sobe aos ramos da árvore e de lá chama a 
virgem pelo nome; outras remexe o uru de palha matizada, onde traz a selvagem seus perfumes, os alvos fios do 
crautá, as agulhas da juçara com que tece a renda, e as tintas de que matiza o algodão. 
Rumor suspeito quebra a doce harmonia da sesta. Ergue a virgem os olhos, que o sol não deslumbra; sua vista 
perturba-se. 
Diante dela e todo a contemplá-la está um guerreiro estranho, se é guerreiro e não algum mau espírito da 
floresta. Tem nas faces o branco das areias que bordam o mar; nos olhos o azul triste das águas profundas. Ignotas 
armas e tecidos ignotos cobrem-lhe o corpo. 
Foi rápido, como o olhar, o gesto de Iracema. A flecha embebida no arco partiu. Gotas de sangue borbulham na 
face do desconhecido. 
De primeiro ímpeto, a mão lesta caiu sobre a cruz da espada; mas logo sorriu. O moço guerreiro aprendeu na 
religião de sua mãe, onde a mulher é símbolo de ternura e amor. Sofreu mais d’alma que da ferida. 
O sentimento que ele pôs nos olhos e no rosto, não o sei eu. Porém a virgem lançou de si o arco e a uiraçaba, e 
correu para o guerreiro, sentida da mágoa que causara. 
A mão que rápida ferira, estancou mais rápida e compassiva o sangue que gotejava. Depois Iracema quebrou a 
flecha homicida: deu a haste ao desconhecido, guardando consigo a ponta farpada. 
O guerreiro falou: 
— Quebras comigo a flecha da paz? 
— Quem te ensinou, guerreiro branco, a linguagem de meus irmãos? Donde vieste a estas matas, que nunca 
viram outro guerreiro como tu? 6
— Venho de bem longe, filha das florestas. Venho das terras que teus irmãos já possuíram,

Cantata de Iracema


  Arranjo em estrofes, do capítulo inicial de Iracema, sem acréscimo       ou diminuição de uma vírgula, por Soares Feitosa



Verdes mares bravios de minha terra natal,
onde canta a jandaia
nas frondes da carnaúba;
verdes mares, que brilhais
como líquida esmeralda
aos raios do sol nascente,
perlongando as alvas praias
ensombradas de coqueiros.

Serenai, verdes mares e alisai
docemente a vaga impetuosa,
para que o barco do aventureiro
manso resvale à flor das águas.

Onde vai a afouta jangada,
que deixa rápida
a costa cearense, aberta
ao fresco terral a grande vela?
..................
...........
.....
...

Além,
muito além
daquela serra que ainda azula
no horizonte, nasceu
Iracema.

Iracema,
a virgem
dos lábios de mel, que tinha os cabelos
mais negros
que a asa da graúna
e mais longos
que seu talhe de palmeira.

O favo do jati não era
doce como seu sorriso;
nem a baunilha recendia
no bosque como seu hálito
perfumado.

Mais rápida que a ema
selvagem, a morena virgem
corria o sertão e as matas
do Ipu, onde
campeava sua guerreira tribo,
da grande nação tabajara.
O pé, grácil e nu,
mal roçando,
alisava
apenas a verde pelúcia
que vestia terra com as primeiras águas.

Um dia, ao pino o sol,
ela repousava em um claro
da floresta.
Banhava-lhe
o corpo a sombra da oiticica,
mais fresca do que o orvalho da noite.

Os ramos da acácia silvestre
esparziam flores sobre
os úmidos cabelos.

Escondidos na folhagem
os pássaros
ameigavam o canto.

Iracema saiu do banho; o aljôfar
d'água ainda a rorejava,
como à doce mangaba que corou
em manhã de chuva.

Enquanto repousa, empluma
das penas do gará as flechas
de seu arco e concerta
com o sabiá
da mata
pousado no galho próximo,
o canto agreste.

A graciosa ará, sua companheira
e amiga, brinca
junto dela.

Às vezes sobe aos ramos
da árvore e de lá chama
a virgem
pelo nome;
outras, remexe o uru
de palha matizada,
onde traz a selvagem seus perfumes;
os alvos fios de crautá,
as agulhas de juçara com que tece
a renda,
e as tintas
de que matiza o algodão.

Rumor suspeito
quebra
a doce harmonia
da sesta.

Ergue a virgem os olhos,
que o sol não deslumbra;
sua vista perturba-se.

Diante dela
e todo
a contemplá-la,
está
um guerreiro estranho,
se é guerreiro e não
algum mau espírito
da floresta.

Tem nas faces o branco
das areias que bordam o mar,
nos olhos
o azul triste das águas
profundas.
Ignotas armas
e ignotos tecidos cobrem-lhe
o corpo.

Foi rápido, como o olhar,
o gesto
de Iracema.
A flecha
embebida no arco
partiu.
Gostas de sangue borbulham
na face
do desconhecido.

De primeiro ímpeto,
a mão lesta caiu
sobre
a cruz da espada.

O moço guerreiro aprendeu
na religião de sua mãe, onde
a mulher
é símbolo
de ternura e amor.
Sofreu mais
d'alma do que da ferida.

O sentimento que ele pôs
nos olhos e no rosto
não o sei eu.

Porém a virgem lançou
de si o arco e auiruçaba, e correu
para o guerreiro, sentida
da mágoa que causara.

A mão que rápida ferira,
estancou mais rápida
e compassiva
o sangue que gotejava.

Depois Iracema quebrou a flecha homicida;
deu a haste ao desconhecido,
guardando consigo
a ponta farpada.

O guerreiro falou:

— Quebras comigo a flecha da paz

— Quem te ensinou, guerreiro branco,
a linguagem
de meus irmãos?

Donde a estas matas,
que nunca viram
outro guerreiro como tu?

— Venho de bem longe,
filha das florestas.
Venho das terras
que teus irmãos já possuíram,
e hoje têm os meus.

— Bem vindo seja o estrangeiro
aos campos dos tabajaras,
senhores das aldeias, e à cabana
de Araquém,
pai de Iracema.

sexta-feira, 22 de fevereiro de 2013

A morte de um forte

Os sinos de Roma pararam de repicar. A horda de turistas buliçosos, que habitualmente compõe a paisagem da Praça de São Pedro, deu lugar a uma multidão de fiéis chorosos. Cerrou seus portões a basílica que, dominada pela cúpula desenhada por Michelangelo, se ergue como a oitava colina da capital italiana. É sempre assim quando morre um papa. Mas os sinais de luto ganharam uma dimensão ainda mais eloquente porque o papa era João Paulo II. Morreu o titã na luta contra o comunismo na Europa. Morreu o líder espiritual que desafiou os rumos liberalizantes da civilização ocidental. Morreu Karol Wojtyla, padre polonês de hábitos singelos e uma trajetória de resistência a dois flagelos do século passado: o nazismo e o comunismo. Morreu uma das maiores personalidades da história recente.
A paráfrase é banal, mas exata: João Paulo II foi, antes de tudo, um forte. Para bilhões de pessoas, não importa o credo que elas professem, a imagem a ser guardada na memória é a do homem de sorriso cativante, voz firme e andar resoluto que, em 1978, cancelou instantaneamente o trauma da morte de João Paulo I, morto 33 dias depois de eleito. Faz mais justiça ao papa morto relembrá-lo nos tempos de vigor, e não na decadência dos últimos anos, combalido e paralisado por causa da velhice e da doença. Quis o destino, sempre irônico, que o papa alpinista e esquiador, apelidado de Atleta de Deus, viesse a sofrer graves percalços físicos durante os 26 anos de seu pontificado, o terceiro mais longo da história (só São Pedro e Pio IX tiveram papados mais extensos). Em 1981, um tiro disparado contra ele pelo turco Ali Agca obrigou os médicos que o atenderam a cortar 30 centímetros de seu intestino. Em 1992, o papa foi submetido a uma cirurgia que retirou um tumor do tamanho de uma laranja da sua região abdominal. No fim do ano seguinte, João Paulo II quebrou a omoplata ao cair diante do corpo diplomático. Em 1994, outra queda, no banheiro de seus aposentos particulares, causou-lhe uma fratura de fêmur e o levou a implantar uma prótese. Tais acidentes, descobriu-se, eram manifestações do Parkinson, doença que o Vaticano tentou esconder quando do aparecimento dos primeiros sintomas e de cujas complicações o papa morreria, aos 84 anos, cinco semanas depois de sofrer uma traqueostomia. O procedimento, realizado para servir de paliativo a uma insuficiência respiratória, acabou por apagar de vez sua voz desde havia muito já débil. A última imagem de João Paulo II, registrada poucos dias antes de sua morte, é de uma pungência capaz de emocionar o mais duro coração ateu: mostra o papa à janela de seu apartamento privado, com uma expressão de dor, tentando balbuciar algumas palavras à multidão na Praça de São Pedro. Poucas vezes um silêncio foi tão eloqüente.
Ocultar os problemas de saúde de um pontífice é uma ocupação antiga dos cardeais mais proeminentes da Igreja. Tanto que há um ditado romano, muito espirituoso, segundo o qual todo papa tem a saúde de ferro até o dia de sua morte. Com João Paulo II, no entanto, foi impossível manter sua doença em segredo ou mascarar suas seqüelas. Nunca um papa teve sua agonia tão comentada, fotografada e filmada. Isso porque nunca houve um papa tão comentado, fotografado e filmado. João Paulo II passa à história também como o papa da mídia. Em missas solenes, em audiências com poderosos, em encontros com chefes de outras religiões, em férias e nas 250 viagens que realizou, dentro e fora da Itália, ele usou como nenhum outro pontífice da era moderna os meios de comunicação de massa. Santos podem ser ubíquos; João Paulo II era uma imagem eletrônica onipresente nos quatro cantos do mundo. Para alguns analistas, essa exposição extrema, aliada ao carisma, fez com que sua personalidade se sobrepusesse à religião, transformando-o num ícone popular. De fato, um dado corrobora a tese: uma pesquisa realizada em meados da década de 90 revelou que o rosto do papa polonês era o mais conhecido do planeta.

Talvez por te sido ator na juventude, João Paulo II sabia a importância de determinados efeitos sobre a platéia. Foi o primeiro papa de quem se viram os pés, o que lhe emprestou maior humanidade. Em cerimônias que reuniam grandes multidões, e marcadas por uma certa informalidade, permitia-se fazer piadas e até ensaiar passos de dança. Muitas de suas vestes litúrgicas eram especialmente desenhadas para combinar com o caráter deste ou daquele evento. Mas ele também sabia enfrentar e dominar multidões belicosas, como a que o recebeu na Nicarágua sandinista, na década de 80. O papa dos efeitos especiais era também aquele para quem o conteúdo da doutrina estava acima de todas as coisas. Inflexível com os esquerdistas que queriam contaminar a doutrina católica com preceitos marxistas, ele exterminou a Teologia da Libertação na América Latina. Agastado com as brechas liberais que tentavam abrir no monumento dogmático que guia a Igreja há dois milênios, João Paulo II tratou de pôr rédeas curtas em seus artífices, o clero americano e o europeu. Para os detratores do papa que morreu, ele foi um "reacionário". Trata-se de um simplismo. Como escreveu o jornalista francês Bernard Lecomte, autor de uma das melhores biografias de João Paulo II, "suas posições sobre a família e a moral sexual, sobre o papel da mulher na Igreja, sobre a liturgia e a disciplina eclesial muitas vezes o levaram a ser considerado reacionário. Mas este mesmo papa também terá sido um progressista audacioso, e mesmo provocador, que não hesitou em convocar a seu redor todas as religiões do mundo, a condenar firmemente os desmandos do capitalismo e os desvios do liberalismo, a rejeitar sem rodeios a herança anti-semita de seus antecessores, a pedir perdão pelos erros e crimes da Igreja de outros tempos. Este papa ao mesmo tempo de esquerda e de direita, no sentido político dessa classificação, terá sido, no que diz respeito à Igreja, um continuador e um inovador".
João Paulo II ultrapassou as fronteiras do roteiro canônico, ao lançar cinco livros em linguagem dirigida ao grande público, dos quais o derradeiro é Memória e Identidade, e gravar três discos, com orações e canções religiosas, um deles com arranjos pop.
Quando era o Atleta de Deus, forte e saudável, posava para fotos esquiando e escalando montanhas. Depois de doente, ao continuar desempenhando seu papel de trabalhador incansável, adquiriu aos olhos dos fiéis a imagem de um homem dotado de extraordinária força interior – e revogou o ditado romano segundo o qual todo papa tem a saúde de ferro até o dia de sua morte. Ele resistiu com bravura à degeneração física e mental causada pela doença que se transformaria em seu gólgota. Acometido por tremores, dificuldades de fala e por uma rigidez muscular progressiva, ainda assim ele procurou manter até o fim seu estafante ritmo de atividades. O resultado desse esforço foi que seu sofrimento, ele próprio, tornou-se uma poderosa mensagem religiosa. Mensagem que, não raro, era intensa demais até mesmo para as câmeras onívoras da televisão. Nos últimos anos, a TV italiana, encarregada de filmar cerimônias protagonizadas pelo papa doente, tinha de se desdobrar para não colocar no ar cenas constrangedoras, como as de um João Paulo II muitas vezes completamente alienado ou incapaz de completar uma frase. Seu declínio físico era tão grande que se esperava que ele renunciasse logo depois das comemorações do jubileu do ano 2000. Essa possibilidade surgiu no noticiário em 1996, quando João Paulo II incluiu na lei eleitoral que rege o conclave, a assembléia de cardeais que escolhe um novo papa, a hipótese de renúncia do pontífice. Antes disso, ele já havia dito em público que "seria bom que o papa pudesse assistir à eleição de seu sucessor". Para os católicos que professam a religião e admiravam João Paulo II (e os admiradores certamente são maioria num rebanho de fiéis estimado em 1 bilhão de pessoas), ele assistirá, sim, à eleição do novo papa. Mas de um lugar privilegiado.