O
Lendário Coronel João Martins da Jaçanã
Cláudio
César Magalhães Martins
Titular da Cadeira nº 11
Entre os personagens de Ipu que povoaram e
continuam a povoar o imaginário de várias gerações de ipuenses avulta a figura
do Coronel João Martins da Jaçanã, nome da fazenda de sua propriedade,
conhecida, desde os fins do século 19 até as duas primeiras décadas do século
20, como antro de valentões e criminosos.
Nascido provavelmente no ano de 1854, João Martins pertencia a tradicional e
influente família ipuense, sendo irmão do Cel. Félix de Sousa Martins, primeiro
prefeito de Ipu e primo de Abílio Martins, repentista, poeta e político de
renome, que veio a ocupar o cargo de Chefe de Polícia, em Fortaleza, no governo
de Justiniano de Serpa (1920-23).
Àquela época, o título de “coronel” podia ser adquirido por qualquer indivíduo
que se dispusesse a pagar ao governo a quantia de 50 mil réis e tivesse
condições de comprar um rifle “papo amarelo” e uma ou mais caixas de balas. Nas
discussões e pendengas que intervinha como árbitro, o coronel fazia valer a sua
força, não raro, através de seu bando armado.
Entre os casos nos quais interveio, o coronel João Martins da Jaçanã prestou
socorro a um pobre homem que teve sua terra usurpada por um certo Antônio
Alves, que prometera devolvê-la tão logo colhesse algumas mandiocas plantadas.
Como não cumpriu a promessa feita, o coronel estabeleceu um prazo para a
devolução, sob pena de destruir, com seu bando, as plantações e cercas da
referida terra. Findo o prazo e comprovada a intenção dolosa do intruso, o coronel
ordenou a seus homens que fizessem o serviço. Os capangas, contudo, foram além:
tocaram fogo nas cercas e plantações, ocasionando considerável prejuízo ao
invasor de terras. Este fez-se de vítima, recorrendo à Justiça e conseguindo do
juiz de então, o Dr. Manoel Campelo, uma sentença que obrigava o coronel a
indenizar o prejuízo. O valor da indenização era deveras elevado: dois contos
de réis. Inconformado com a sentença, João Martins recusou-se a pagar o valor
estabelecido, criando-se, assim, uma situação assaz delicada, pois o juiz
ameaçava prendê-lo, mesmo que, para tanto, se fizesse necessário solicitar
reforço policial da vizinha cidade de Sobral. Dois outros coronéis ipuenses da
época, José Lourenço e Manoel Dias, tentaram em vão convencê-lo a cumprir a
sentença. Por fim, a solução encontrada foi que cada um dos dois coronéis
contribuiria com 500 mil réis e que o irmão do apenado, Félix Martins, entraria
com o restante. Evitou-se, assim, que o caso tomasse proporções indesejadas,
como a solicitação de reforço policial para fazer cumprir, na marra, a
sentença prolatada.
Outro caso envolvendo o coronel ocorreu quando este já se achava na casa dos 70
anos. Um sobrinho seu, de nome Antônio Timbó, de apenas 30 anos de idade, achou
por bem apossar-se de parte de um sítio que lhe pertencia na serra.
Encontrando-se os dois para tentar resolver a questão, o sobrinho dirigiu-se a
João Martins com palavras injuriosas, chamando-o de “corno velho sem-vergonha”.
Imagine-se o tamanho da afronta. Os dois se atracaram e o sobrinho – mais forte
e corpulento – passou a esmurrar o velho tio, após derrubá-lo. Ao rolarem pelo
chão, o coronel, em desvantagem, fez uso da peixeira que trazia consigo,
tirando a vida do inditoso sobrinho.
Processado por assassinato, João Martins teve a sorte de ser defendido pelo
advogado e folclorista Leonardo Mota, o Leota. Com sua voz retumbante e,
sobretudo, com argumentos insofismáveis, Leota mostrou ao júri que seu
constituinte, em virtude da avançada idade, levava flagrante desvantagem na
luta com um jovem de apenas 30 anos de idade que o havia desrespeitado
gravemente.
Absolvido, João Martins recolheu-se à sua fazenda de Jaçanã, onde possuía uma
pequena casa alpendrada e rústica. Registre-se que a referida fazenda fica
situada a mais de 30 quilômetros de Ipu, na rota de Hidrolândia e bem perto de
Irajá.
Sobre sua fase de idoso, assim escreveu Francisco Magalhães Martins, meu tio e
patrono: “Na velhice, não era mais, como dantes, aquele cavaleiro andante,
ativo e lépido, a cavalgar pelos sertões de Ipu, Ipueiras, Reriutaba, Santa
Quitéria e Tamboril, e a atravessar os campos de criar cortados pelos rios
Jatobá, Feitosa, Macacos, Groaíras e outros afluentes do Acaraú. Pervagava,
então, pelas fazendas, demorando na casa dos amigos e conhecidos, a brigar, ou
melhor, a blaterar, defendendo-os, orientando-os, apaziguando-os, para acabar
com as questões e questiúnculas em que viviam constantemente envolvidos
e, por vezes, embaraçados nas malhas da polícia e da justiça de antanho.”
O coronel João Martins faleceu em dezembro de 1926, com cerca de 72 anos de
idade, benquisto, admirado e temido em toda a região. No imaginário popular
firmou-se a crença de que, quando perseguido e cercado pela polícia, punha seu
grande chapéu diante dos olhos e se transformava num toco, tornando-se
invisível a seus perseguidores.
Nota do
autor: O presente trabalho baseou-se em artigo de autoria de meu tio e
patrono, Francisco Magalhães Martins, publicado, em 1977, na “separata”
da revista “ASPECTOS”, nº 11, da Secretaria de Cultura, Desporto e Promoção
Social do Estado do Ceará.
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