ASPECTO MÍTICO EM IRACEMA
O propósito deste trabalho é a tentativa de
caracterizar o aspecto mítico dentro de um contexto histórico factual,
utilizando a obra Iracema, de José de Alencar, considerada um dos melhores
exemplares da prosa poética na ficção do Romantismo brasileiro. Segundo Moacir Cavalcanti Proença “Iracema será lido com enlevo pelo povo, que nele encontrará
o lirismo, o amor e o sofrimento que as almas simples procuram na literatura.
Esse é o destino das obras intrinsecamente ligadas ao sentimento dos povos.”
(ALENCAR: [197-], p.26)
Pelo enredo podemos observar que Iracema é um romance no qual há argumentos
históricos - a colonização do Brasil - presentes na personagem Martim Soares
Moreno, o colonizador português, que se aliou aos índios Pitiguaras, através de
Poti (Antônio Felipe Camarão). Nota-se, também, pela forma como o enredo se desenvolve
que José de Alencar, através do amor entre Iracema e Martim, romantizou o
processo de colonização do Ceará, simbolicamente representativo do processo de
colonização do Brasil; decorre de tal romantizarão a suposta conciliação entre
o branco e o índio, que de um lado escamoteia a violência, a dominação, e do
outro inaugura o mito heróico da pátria, de natureza indianista.
Retomando os Mitos nascidos na Literatura Informativa – Mito Edênico, Mito do
Eldorado, Mito Ufanista e Mito Nativista – o artista abusa do descritivismo, da
espontânea beleza narrativa, gerando imagens poéticas de beleza prictória Para
José de Nicola (Língua, literatura e redação) a fase primitiva, chamada de
aborígene, são lendas e mitos da terra selvagem e conquistada.
Iracema pertence a essa literatura primitiva, cheia de santidade e enlevo. Para
isso Alencar adota nesse romance duas técnicas que se confundem: a descrição e
a narração: sua descrição é cromática e hiperbólica, explorando um nativismo
ufanista. Escravocrata – “consta que em 1871, o Parlamento discutia a Lei do
Ventre Livre; o deputado José de Alencar subiu a tribuna e disse: ‘Não vou me
dar ao trabalho nem de discutir essa lei. Ela é comunista. ’” (NICOLA: 1998 p.
86) –, José de Alencar, contrariamente, exalta os índios e a liberdade da vida
natural. Sua narração é bastante cinematográfica.
Além, muito além daquela serra, que ainda azula no horizonte, nasceu Iracema.
Iracema, a virgem dos lábios de mel, que tinha os cabelos negros como a asa da
graúna e mais longos que seu talhe de palmeira. O favo da jati não era doce
como seu sorriso, nem a baunilha recendia no bosque como seu hálito perfumado.
Mais rápida que a ema selvagem, a morena virgem corria o sertão pelas matas do
Ipu, onde campeava sua guerreira tribo, da grande nação tabajara. O pé grácil e
nu, mal roçado, alisava apenas a verde pelúcia que vestia a terra com as
primeira águas. Um dia, ao pino sol, ela repousava em um claro da floresta.
Banhava-lhe o corpo da sobra da oiticica, mais fresca do que o orvalho da
noite. Os ramos da acácia silvestre esparziam flores sobre os úmidos cabelos.
Escondidos na folhagem, os pássaros ameigavam o canto. Iracema saíra do banho;
o aljôfar da água ainda a roreja, como à doce mangada que corou em manhã de
chuva. Enquanto repousava, empluma das penas do guará as flechas do seu arco e
concerta com o sabiá da mata, pousando no galho próximo, o canto agreste. A
graciosa ará, sua companheira e amiga, brinca junto dela [...] (ALENCAR: 1994,
p. 10)
O Romantismo, com sua ideologia burguesa, mascarava os reais problemas
existentes na época, valorizando o índio e esquecendo o negro. O espírito
romântico é atraído pelo mistério da existência, que lhe aparece envolvida de
sobrenatural.
Os mitos, efetivamente, narram não apenas a origem do Mundo, dos animais, das
plantas e do homem, mas também de todos os acontecimentos primordiais em
conseqüência dos quais o homem se converteu hoje – um ser mortal, sexuado,
organizado em sociedade, obrigado a trabalhar para viver, e trabalhando de
acordo com determinadas regras. Se o mundo existe, se o homem existe, é porque
os Entes Sobrenaturais desenvolvem uma atitude criadora no “princípio” [...]
(ELIADE: 1972, p. 16)
Nenhum comentário:
Postar um comentário