domingo, 8 de dezembro de 2013

HONÓRIO BARBOSA
Estação de trem da cidade de Iguatu. A história da ferrovia começa com a implantação dos trilhos no Império, em 1870.

HONÓRIO BARBOSA
Antiga estação de trem do Município de Senador Pompeu, no Sertão Central. Na seca de 1932, muitas pessoas que queriam embarcar para a Capital, para fugir da morte, eram barradas no lugar
Sob o título sugestivo "O último apito", um documentário de 1h30 foi finalizado depois de seis anos de pesquisa

Iguatu. Depois de seis anos de pesquisa, entrevistas, fotos e filmagens, foi finalizada a edição do primeiro vídeo sobre a história da ferrovia no Estado do Ceará. Sob o título sugestivo "O último apito", o documentário de 1h30, com foco no relato emocionado de ex-ferroviários, resgata aspectos históricos, desde a implantação da estrada de ferro no fim do século XIX até a desativação do trem de passageiro na década de 1980. A direção é do memorialista Aderbal Nogueira, com produção de Maristela Mafuz. O apoio institucional para o trabalho foi do Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai).

A ferrovia teve uma importância fundamental para o desenvolvimento do Estado. O trem de carga e de passageiros encurtou distância, facilitou as comunicações e ampliou em quantidade e velocidade o transporte da produção agrícola e pecuária do sertão para a Capital e de produtos industrializados no caminho inverso, de Fortaleza para o Interior do Ceará.

Implantação

O período retratado no vídeo compreende um pouco mais de um século. A história da ferrovia começa com a implantação dos trilhos ainda na época do Império, em 1870, para a construção do primeiro ramal entre Fortaleza e Parangaba. Em 1873, partia o primeiro trem, uma pequena composição puxada por uma máquina a vapor (Maria-Fumaça).

Depois os trilhos se estenderam até Baturité e foram avançando pelo sertão cearense até chegar à cidade do Crato, na região do Cariri, em 1927. A última viagem do trem de passageiro da Rede Ferroviária Federal (RFFSA) foi feita em 1988. Narrar toda essa história exige determinação. E foi justamente o que não faltou ao diretor, Aderbal Nogueira.

Mesmo sem apoio, somente a participação do Senai na fase de conclusão do trabalho, uma equipe de dez técnicos realizou dezenas de viagens por várias cidades do interior. O objetivo era colher imagens das antigas estações de trem, gravar depoimentos de ex-ferroviários, de operários que trabalharam na construção da via férrea e de vendedores que aguardavam com expectativa a chegada de cada trem ao bater do sino e na plataforma disputavam espaço com centenas de moradores, bem vestidos. Afinal, a passagem do trem era um acontecimento social nas pequenas cidades do sertão.

Exibições

O documentário "O último apito", em formato digital, foi finalizado há um mês. Inicialmente, foram feitas duas exibições fechadas para ex-ferroviários, no auditório da Estação Ferroviária João Felipe, em Fortaleza. "Foram momentos marcados por emoções, choro na plateia", contou Nogueira. "Depois, muitos vieram me abraçar e me agradecer. Eu também fiquei emocionado e posso dizer que realizei um sonho com esse trabalho", disse.

O sonho do diretor Aderbal Nogueira em produzir um documentário sobre a história da ferrovia no Ceará tem origem na infância. O avô dele, João Nogueira de Freitas, que é homenageado com a dedicação do vídeo, era funcionário da antiga Rede Viação Cearense (RVC), condutor de trole puxado a motor, a serviço de agentes e diretores da companhia em trabalho de fiscalização e inspeção entre as estações. "As viagens de trem estão na minha memória, fazem parte da minha vida", contou. "Era preciso homenagear os ferroviários e contar um pouco dessa história".

O documentário reúne "um bom material", na avaliação do diretor, e traz depoimentos de uma dezena de ferroviários aposentados. São relatos emocionantes. "Todos os antigos funcionários têm orgulho do trabalho que realizaram", frisou. "Era a vida de cada um". Por isso, a maioria chora ao relembrar os tempos difíceis das viagens nos trens, nas antigas locomotivas a vapor, as marias-fumaças, e depois em modernas máquinas a motor diesel.

"Era um trabalho pesado, sofrido, mas todos carregam saudades", observa Aderbal Nogueira. Mas também havia charme. O uniforme era elegante, o maquinista usava gravata e era uma pessoa importante. "Muitos relembram do balanço do trem e da chegada nas estações onde existiam muitas pessoas aguardando parentes ou simplesmente iam ver o trem passar", contou.

Lembranças

O maquinista aposentado, Francisco Monte, dá um depoimento emocionante e de triste memória. "Na seca de 1932, vi muita gente morrendo de fome, na calçada da estação de Iguatu e de Afonso Pena (hoje Acopiara)". Em meio a lágrimas recorda: "Era uma cena triste, que doía na gente. Multidão querendo embarcar em direção à Capital para fugir da morte. Os flagelados eram barrados em Senador Pompeu, onde havia um campo de concentração de sertanejos famintos e doentes".

A última viagem de trem entre as cidades de Camocim e Sobral, na Zona Norte, é relatada no depoimento do ex-maquinista, José Rodrigues, o Zequinha. "O povo ficou no meio dos trilhos, chorando, sem querer deixar o trem partir", relembrou. "Eu também chorava muito. Foi triste".

O pesquisador de música e memorialista, Christiano Câmara, apresenta um desabafo contra a extinção do trem de passageiro, da valorização do transporte rodoviário em detrimento do ferroviário. "Na Europa, o trem é exemplo de luxo e progresso, mas no Brasil é de pobreza e retrocesso".

O transporte ferroviário de passageiros atendia a necessidade das famílias de baixa renda. A sua extinção provoca ainda hoje revolta no pesquisador Câmara e no diretor do documentário. "Foi um crime o que fizeram", disse Nogueira.

A ferrovia impulsionou o desenvolvimento do Ceará. "Quando o trem chegava do Interior, as mercadorias eram transportadas em lombo de animais em Fortaleza porque naquela época não havia carro", observa o engenheiro aposentado da RFFSA, Hamilton Pereira. Os produtos seguiam para os mercados, casas comerciais e para as indústrias. "Esse documentário tem importância fundamental para o resgate da história da ferrovia", destacou.

A produção do documentário "O último apito" não tem fins comerciais. O produtor Aderbal Nogueira pretende exibir o vídeo nas cidades do interior onde há ferrovia. "Esse é o meu sonho", disse. "É um resgate da memória da ferrovia que dedico aos ferroviários, ao povo do meu Estado".





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