O Pastoril integra o ciclo das festas
natalinas do Nordeste, particularmente, em Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do
Norte e Alagoas. É um dos quatro principais espetáculos populares nordestinos,
sendo os outros o Bumba-meu-boi,
o Mamulengo e o Fandango.
De tais espetáculos, participa o povo ativamente, com suas estimulantes
interferências não se comportando apenas como passivo espectador, a exemplo do
que acontece com os espetáculos eruditos. Muitas destas interferências,
servindo de deixa para inteligentes e engraçadas improvisações, imprimindo ao
espetáculo formas diferentes e inesperadas de movimento e animação.
A comunicação entre palco - geralmente um coreto - e platéia - esta,
quase sempre ocupando grandes espaços abertos - entre personagens e
espectadores, não se faz somente sob influência que a peça, por seu enredo e
por sua interpretação, possa exercer sobre a assistência. Nem simplesmente -
aqui admitindo teatro erudito bem educado - através dos aplausos convencionais,
quase sempre sob forma de palmas. Palmas que às vezes revelam apenas educação
ou incentivo.
No Pastoril, os espectadores, representados pelo povo, a
comunicação com os personagens faz-se franca e informalmente, não só com
palmas, mas com vaias e assobios, com dedos rasgando as bocas, piadas e ditos,
apelidos e descomposturas.
Tudo isto enriquece o espetáculo de novos elementos de atração,
dando-lhes nova motivação, reativando-o, recriando-o pela substituição de
elementos socialmente menos válidos, por outros mais atuantes e mais
condizentes com o gosto e os interesses momentâneos da comunidade para a qual
ele exibe. Deste modo, revitaliza-se o espetáculo, permanecendo sempre dinâmico
e atualizado, alimentando no espírito do povo e no dos próprios personagens um
conteúdo emocional que tem no imprevisto e no suspense sua principal tônica.
Nos começos, o auto natalino, que deve ter surgido na terceira década do
século XIII, em Grecio, sua primeira apresentação teatral não passava do drama
hierático do nascimento de Jesus, com bailados e cantos especiais, evocando a
cena da Natividade.
Com o correr do tempo, os autos baseados na temática natalina se separam
em duas direções: uns, seguindo a linha hierática, receberam o nome de Presépios ou Lapinha,
outros, de Pastoris.
Em Pernambuco, o primeiro Presépio surgiu nos fins do
século XVI, em cerimônia realizada, no Convento de São Francisco, em Olinda.
Com as pastorinhas cantando loas, tomou o Presépio não só forma animada,
mas dramática, ao lado da pura representação estática de gente e de bichos.
A dramatização do tema, agindo em função didática, permitiu fácil
compreensão do episódio na Natividade. A cena para da, evocativa do nascimento
de Jesus, movimenta-se, ganha vida, sai do seu mutismo, com a incorporação de
recursos, não apenas visuais, também sonoros.
O Presépio, representado em conventos, igrejas ou casas de família,
reunia mocinhas e meninas, cantando canções que lembram o nascimento de Cristo.
As canções, obedecendo a uma seqüência de atos que se chamam jornadas,
são entoadas com o maior respeito e ar piedoso pelas meninas e jovens de
pastorinhas.
O Pastoril, embora não deixasse de evocar a Natividade,
caracteriza-se pelo ar profano. Por certa licenciosidade e até pelo exagero
pornográfico, como aconteceu nos Pastoris antigos do Recife.
As pastoras, na forma profana do auto natalino, eram geralmente mulheres
de reputação duvidosa, sendo mesmo conhecidas prostitutas, usando roupas
escandalosas para a época, caracterizadas pelos decotes arrojados, pondo à
mostra os seios, e os vestidos curtíssimos, muito acima dos joelhos.
Do Pastoril faz parte uma figura curiosa: O Velho.
Cabia ao Velho, com suas largas calças, seus paletós alambasados,
seus folgadíssimos colarinhos, seus ditos, suas piadas, suas anedotas, suas
canções obscenas, animar o espetáculo, mexendo com as pastoras, que formavam
dois grupos, chamados de cordões: o cordão encarnado e o
cordão azul. Também tirava o Velho pilhérias com os
espectadores, inclusive, recebendo dinheiro para dar os famosos
"bailes", - descomposturas - em pessoas indicadas como alvo.
"Bailes", que, muitas vezes, terminavam, terminavam, nos pastoris
antigos dos arrabaldes do Recife, em charivari, ao qual não faltava a presença
de punhais e pistolas.
O Velho também se encarregava de comandar os "leilões",
ofertando rosas e cravos, que recebiam lances cada vez maiores, em benefícios
das pastoras, que tinham seus afeiçoados e torcedores.
Nos Presépios atuais, como nos Pastoris, encontram-se ainda os dois
cordões. O Encarnado, no qual figuram a Mestra, a 1ª do
Encarnado e a 2ª do Encarnado, e o Azul, com
a Contra-Mestra, a 1ª do Azul e a 2ª
do Azul.
Entre os dois cordões, como elemento neutro, moderando a exaltação dos
torcedores e simpatizantes, baila a Diana, com seu vestido metade encarnado,
metade azul.
Foram famosos no Recife, até começos da década de 30, os pastoris do
Velho Bahu, que funcionava aos sábados, ora na Torre, ora na ilha do Leite,
também, os dos velhos Catotas, Canela-de-Aço e Herotides.
Hoje, os pastoris desapareceram do Recife. Só nos arrabaldes mais
distantes ou em algumas cidades do interior, eles são vistos. Mesmo assim, sem
as características que marcavam os velhos pastoris do Recife, não deixando, no
entanto, de cantar as jornadas do começo e do fim: a do Boa Noite e da
despedida. O que vemos hoje são presépios ou lapinhas.
Presépio tradicional do Recife, exibindo-se em grande sítio do Zumbi,
era dos irmãos Valença, infelizmente há vários anos sem funcionar.
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