O TOCADOR DE PÍFANO
Na década de quarenta, nas quebradas da Serra da Ibiapaba, entre Campo
Grande e Santa Cruz, hoje Guaraciaba do Norte e Reriutaba
respectivamente, no estado do Ceará, morava um sujeito inusitado.
Era o João Moreira: baixinho, quase anão, gostava de tomar uma pinga,
mas era um artista nato, de uma habilidade incomum. Ele fabricava
pífano.
Ele vivia embrenhado nas matas a procura de taquara, é uma espécie de bambu, a única que serve para fazer pífano.
Ele o construía de forma artesanal, mais eram perfeitos, de uma
sonoridade sem igual. Moreira também tocava o tal instrumento com grande
habilidade.
Durante a semana, ele conseguia fazer até trinta
pífanos que eram vendidos em Reriutaba a duzentos réis, hoje RS 0,20
(vinte centavos). Sexta-feira à noite ou sábado de madrugada, lá ia ele
rumo a vender seus pífanos, saía tocando um pelo meio da feira para
chamar atenção dos futuros fregueses.
Se Moreira conseguisse vender todos no fim da feira, teria seis mil réis hoje seis reais.
Aí tomava umas pingas, ficava bêbado, comprava algumas coisas para
casa, como, por exemplo, rapadura, café e etc. Não dava para comprar
muita coisa, para vocês terem uma idéia do preço da época, um quilo de
carne com osso custava dois mil e oitocentos réis, hoje dois reais e
oitenta centavos.
O dinheiro do Moreira nunca sobrava para comprar
uma roupa, portanto a que usava era só remendo, o resto todo era rasgão.
Um dia chegou a Reriutaba um representante de uma firma de São Paulo
que ia fazer a praça, viu o Moreira tocando seu pífano com uma
sonoridade de chamar atenção de Beethoven.
Parou, ouviu e se
aproximou de Moreira. Este logo o ofereceu um pífano para o
desconhecido. O viajante comprou um, e pagou pelo mesmo o equivalente a
vinte centavos.
O desconhecido metendo a mão no bolso tirou a
carteira de notas e, tirando uma nota de cinqüenta mil réis, deu para o
Moreira dizendo:
- Vá e compre uma roupa para você cobrir suas
carnes e também para sua família. Faça sua feira. Pelo menos desta vez
você vai levar o que comer para sua família.
Ficou muito feliz e ao entrar em uma bodega, contando com euforia o acontecido, um gaiato disse:
- Moreira, você recebeu este dinheiro daquele homem? Aquele é um
comunista!!! Você com este dinheiro do comunismo na mão, você vai direto
para o inferno.
Arregalou os olhos e saiu a procura do desconhecido e, quando o encontrou, devolveu o dinheiro, dizendo:
- Você pensa que compra minha alma com este dinheiro? Você é comunista!
- e jogou o dinheiro em cima do homem. O moço tentou em vão convencê-lo
de que não era comunista, e, mesmo que fosse, o dinheiro não.
Mais ele estava decidido, morreria de fome, mas dinheiro de comunista, nunca.
Contei esta história real, para vocês verem a força de uma cultura.
Do livro: “O Anjo da Noite e Outros Contos” de Amadeu Lucinda.
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