Matéria Publicada
no Jornal Ipu Grande, edição de fevereiro/março de 2008. Categoria: História
do Ipu
Eram quase cinco
horas da manhã do dia 9 de dezembro. O ano? 1914. Cerca de 5 policiais e alguns
“capangas” armados esperavam, na Estação Ferroviária, desde às 3 da madrugada,
a chegada à cidade do destemido cel. João Martins da Jaçanã com seus
“jagunços”. Os policiais usavam como escudo os inúmeros fardos de algodão (da
firma J. Lourenço & Cia) que aguardavam a chegada do trem na gare da
Estação para o seu embarque até o porto de Camocim. Estavam exaustos por uma
noite mal dormida. Resolvem ir embora, pensavam que a notícia de que o coronel
invadiria a cidade com seu bando não passava de um Boato.
João Martins morava em sua fazenda, Jaçanã, distante 6 km da sede do município. Irmão do líder político local, o Cel. Felix Martins, estava insatisfeito e furioso e “botando fumaça pelas ventas”, afinal, no dia anterior policiais que vieram da região do Cariri, “afilhados do Padre Cícero”, haviam dado uma surra em seu sobrinho, o capitão Osório Martins, dentro do estabelecimento comercial (Farias & Martins) em que era sócio, no mercado público.
Como membro da extensa família dos Martins e que dominara a política local desde a montagem da oligarquia aciolina (1896 até 1914), estivera acostumado a sentir o gosto do poder. Ninguém seria capaz de afrontá-lo e a seus familiares e agregados sob pena de levar uma surra corretiva ou passar alguns dias nada agradáveis na cadeia pública. O Ipu pode-se dizer, “pertencia aos Martins”. O Juiz, o Promotor, o delegado e todos os principais postos de mando estavam em suas mãos e ai daquele que se metesse com um deles, o cemitério poderia ser sua morada eterna.
Mas, em 1914 os Martins perderam o poder e passaram a ser perseguido pelo Governo do Estado. Durante o governo de Benjamin Liberato Barroso, foi empreendida uma verdadeira escalada contra os grupos de jagunços sob a chefia dos coronéis, principalmente da região do Cariri, para onde foi enviada numerosa força militar com recomendações de eliminar todos os “bandidos”: “Não poupe bandidos. Execute-os sumariamente”, havia dito o governo do Estado.
Para o Ipu, agitado naquele momento, o mesmo remédio fora recomendado. Só assim se explica a intensa perseguição ao Cel. João Martins da Jaçanã e, de um modo geral, aos Martins de Ipu, que tiveram de fugir para não serem alvos de atrocidades. Porém, o Episódio que comecei descrevendo é um pouco anterior. Deixemos para a segunda parte a perseguição aos Martins.
Insatisfeito com a perda do poder e se sentido humilhado pela surra dada por policiais em seu sobrinho. O coronel não pensara duas vezes. Embora se encontrasse enfermo, invadiria a cidade, atacaria a cadeia, exterminaria os policias se possível e libertaria seu sobrinho da suposta prisão. Mostraria a todos quem tinha o poder de fato. Preferia morrer a se submeter à “justiça”.
Passageiros e transeuntes que aguardavam a chegada do trem das 6h na Estação avistaram ao longe uma multidão que avançava a passos largos pelo Boulevard Dr. João Pessoa, hoje Avenida Auton Aragão (ou “Rua dos Canudos”). Eram 50 homens, dos quais 30 montados e que tinham à frente o lendário e destemido Cel. João Martins, com cara de poucos amigos. Vinha bufando, literalmente, com sede de sangue e pronto a vingar-se da humilhação sofrida. O relógio marcava pouco mais de 5h. Os policiais já não se encontravam mais ali. Tomavam café no “quartel” (cadeia) no prédio da Casa de Câmara (atual prefeitura), no pavimento inferior. Riam, se divertiam e comentavam: “esse tal coronel não é tão valente quanto pinta a população; “deve ser um borra-botas”; Ele que venha que tenho bala sobrando!”.
Logo que chegaram à Estação, o Coronel e seu bando cortaram os fios do telégrafo deixando a localidade sem comunicação com outros municípios para impedir pedidos de reforços, sobretudo ao destacamento de Sobral. Avançaram pela atual rua Cel. Felix em direção à cadeia. Pretendiam cercá-la por todos os lados, mas os planos foram por água abaixo quando um tal Jandaia Passos - que passara a noite bebendo, talvez no Curral do Açougue (Cabaré), se divertindo com as “cutruvias”, gritara: “Se aprontem, soldados, para morrer!” Foi o bastante para alertar os policiais, que abriram fogo contra o bando que se preparava para o bote. As expressões faciais alegres dos policiais deram lugar ao assombro... Iriam conhecer a fúria e o poder de fogo do Coronel!
Das 5 às 9 da manhã do dia 9 de dezembro de 1914, ficou a cidade sob fogo cerrado dos “jagunços fardados” e dos “capangas” de João Martins da Jaçanã. O Mercado que abria suas portas fechou-as encerrando em seu interior aqueles que ali estavam.
Os jagunços do coronel avançavam usando as grossas árvores como escudos, outros se posicionando em seus galhos para buscar o alvo. Tomar a cadeia era apenas uma questão de tempo.
Logo caiu morto, vítima de uma bala certeira, um dos soldados. Era Antonio Pereira, irmão do agressor de Osório e um dos cinco policiais que vieram do Cariri. Percebendo o perigo, correram o comandante Assunção e seus soldados, para esconder-se na casa de D. Madeirinha Memória, viúva do Dr. Francisco Memória. Da casa que ficava em um dos lados da Cadeia os soldados mantiveram o fogo.
Porém, sabedor de que Osório não estava preso ali, na cadeia, e após gastar mais de mil cartuchos e deixar a Cadeia e Casa de Câmara com as marcas do episódio, João Martins e seu bando cessam fogo. Estava abortado o plano de tomar a cadeia. Em entendimento com o chefe de polícia do destacamento, João Martins exigiu que os “cachorros fardados”, “os afilhados do Padre Cícero” fossem expulsos da cidade.
A pacata cidade de Ipu vivia um de seus episódios mais sangrentos. O ataque à cadeira empreendido pelo coronel João Martins era apenas o início de um banho de sangue que viveria a pequena, mas próspera, urbe do “sertão”.
João Martins morava em sua fazenda, Jaçanã, distante 6 km da sede do município. Irmão do líder político local, o Cel. Felix Martins, estava insatisfeito e furioso e “botando fumaça pelas ventas”, afinal, no dia anterior policiais que vieram da região do Cariri, “afilhados do Padre Cícero”, haviam dado uma surra em seu sobrinho, o capitão Osório Martins, dentro do estabelecimento comercial (Farias & Martins) em que era sócio, no mercado público.
Como membro da extensa família dos Martins e que dominara a política local desde a montagem da oligarquia aciolina (1896 até 1914), estivera acostumado a sentir o gosto do poder. Ninguém seria capaz de afrontá-lo e a seus familiares e agregados sob pena de levar uma surra corretiva ou passar alguns dias nada agradáveis na cadeia pública. O Ipu pode-se dizer, “pertencia aos Martins”. O Juiz, o Promotor, o delegado e todos os principais postos de mando estavam em suas mãos e ai daquele que se metesse com um deles, o cemitério poderia ser sua morada eterna.
Mas, em 1914 os Martins perderam o poder e passaram a ser perseguido pelo Governo do Estado. Durante o governo de Benjamin Liberato Barroso, foi empreendida uma verdadeira escalada contra os grupos de jagunços sob a chefia dos coronéis, principalmente da região do Cariri, para onde foi enviada numerosa força militar com recomendações de eliminar todos os “bandidos”: “Não poupe bandidos. Execute-os sumariamente”, havia dito o governo do Estado.
Para o Ipu, agitado naquele momento, o mesmo remédio fora recomendado. Só assim se explica a intensa perseguição ao Cel. João Martins da Jaçanã e, de um modo geral, aos Martins de Ipu, que tiveram de fugir para não serem alvos de atrocidades. Porém, o Episódio que comecei descrevendo é um pouco anterior. Deixemos para a segunda parte a perseguição aos Martins.
Insatisfeito com a perda do poder e se sentido humilhado pela surra dada por policiais em seu sobrinho. O coronel não pensara duas vezes. Embora se encontrasse enfermo, invadiria a cidade, atacaria a cadeia, exterminaria os policias se possível e libertaria seu sobrinho da suposta prisão. Mostraria a todos quem tinha o poder de fato. Preferia morrer a se submeter à “justiça”.
Passageiros e transeuntes que aguardavam a chegada do trem das 6h na Estação avistaram ao longe uma multidão que avançava a passos largos pelo Boulevard Dr. João Pessoa, hoje Avenida Auton Aragão (ou “Rua dos Canudos”). Eram 50 homens, dos quais 30 montados e que tinham à frente o lendário e destemido Cel. João Martins, com cara de poucos amigos. Vinha bufando, literalmente, com sede de sangue e pronto a vingar-se da humilhação sofrida. O relógio marcava pouco mais de 5h. Os policiais já não se encontravam mais ali. Tomavam café no “quartel” (cadeia) no prédio da Casa de Câmara (atual prefeitura), no pavimento inferior. Riam, se divertiam e comentavam: “esse tal coronel não é tão valente quanto pinta a população; “deve ser um borra-botas”; Ele que venha que tenho bala sobrando!”.
Logo que chegaram à Estação, o Coronel e seu bando cortaram os fios do telégrafo deixando a localidade sem comunicação com outros municípios para impedir pedidos de reforços, sobretudo ao destacamento de Sobral. Avançaram pela atual rua Cel. Felix em direção à cadeia. Pretendiam cercá-la por todos os lados, mas os planos foram por água abaixo quando um tal Jandaia Passos - que passara a noite bebendo, talvez no Curral do Açougue (Cabaré), se divertindo com as “cutruvias”, gritara: “Se aprontem, soldados, para morrer!” Foi o bastante para alertar os policiais, que abriram fogo contra o bando que se preparava para o bote. As expressões faciais alegres dos policiais deram lugar ao assombro... Iriam conhecer a fúria e o poder de fogo do Coronel!
Das 5 às 9 da manhã do dia 9 de dezembro de 1914, ficou a cidade sob fogo cerrado dos “jagunços fardados” e dos “capangas” de João Martins da Jaçanã. O Mercado que abria suas portas fechou-as encerrando em seu interior aqueles que ali estavam.
Os jagunços do coronel avançavam usando as grossas árvores como escudos, outros se posicionando em seus galhos para buscar o alvo. Tomar a cadeia era apenas uma questão de tempo.
Logo caiu morto, vítima de uma bala certeira, um dos soldados. Era Antonio Pereira, irmão do agressor de Osório e um dos cinco policiais que vieram do Cariri. Percebendo o perigo, correram o comandante Assunção e seus soldados, para esconder-se na casa de D. Madeirinha Memória, viúva do Dr. Francisco Memória. Da casa que ficava em um dos lados da Cadeia os soldados mantiveram o fogo.
Porém, sabedor de que Osório não estava preso ali, na cadeia, e após gastar mais de mil cartuchos e deixar a Cadeia e Casa de Câmara com as marcas do episódio, João Martins e seu bando cessam fogo. Estava abortado o plano de tomar a cadeia. Em entendimento com o chefe de polícia do destacamento, João Martins exigiu que os “cachorros fardados”, “os afilhados do Padre Cícero” fossem expulsos da cidade.
A pacata cidade de Ipu vivia um de seus episódios mais sangrentos. O ataque à cadeira empreendido pelo coronel João Martins era apenas o início de um banho de sangue que viveria a pequena, mas próspera, urbe do “sertão”.
A população ipuense, na sede do município, era
formada por uma ampla parcela de miseráveis e pobres, que habitava os
subúrbios, e uma pequena parcela dos abastados que residia nos bairros nobres
da cidade, no Quadro da Igrejinha e na área central.
Numa economia estagnada, os postos de emprego eram
reduzidos, restando à população mais pobre, o trabalho na agricultura, setor
mais importante da economia, na construção e no comércio, para aqueles
trabalhadores mais especializados.
Na década de 80 e mais ainda na década de 90,
ocorreria uma melhora nas condições de vida da população mais carente, mesmo
assim, ainda hoje, persiste uma realidade de grande desigualdade econômica e
social. Os governos municipais, por sua vez, pouco têm se preocupado com a
parcela mais carente da população, o que tem perpetuado uma situação de
desigualdade, minorada, com os programas sociais do governo federal, muitas
vezes usados como bandeiras de administrações públicas que, não obstante, se
valem destes programas para beneficiar quem não precisa deles, a despeito do
aumento da fiscalização.
A grande transformação, no entanto, operada nos
últimos anos diz respeito à oferta e ao amplo acesso da população à educação
pública básica, dando oportunidades a quem tradicionalmente foi excluída, ao
acesso, por meio de concursos, ao funcionalismo público e à universidade, algo
inédito há até pouco tempo.
As décadas de 60 e 70 foram, no âmbito local, um
período em que a economia praticamente não avançou. A cidade entrava em
processo recessivo quase sem volta. Os governos municipais do período não
realizaram obras de infraestrutura substanciais e que pudessem mudar a face do
município. Apenas o governo de Rocha Aguiar empreendeu obras significativas,
porém, não suficiente para mudar a face do município. De um modo geral, no
entanto, os governos se restringiam a fazer pequenas obras no município como
construção de praças, pavimentação de ruas com paralelepípedos, e pequenos
reparos em prédios, ruas e avenidas. Inicialmente, tais obras geravam emprego e
renda. Porém, logo concluídas, tudo voltava ao que era antes. A prefeitura, com
arrecadações ínfimas era totalmente dependente de recursos estaduais e
federais. Nestas duas décadas, por exemplo, a cidade vivenciou uma crise no
abastecimento de energia elétrica, ficando a cidade, em alguns momentos, às
escuras. Isso dificultava a atração de indústria e a geração de emprego. Na
educação, ampla parcela da população mais pobre, da sede do município e
principalmente da serra e do sertão, era excluída. Somente as famílias mais
abastadas do lugar tinham garantidas suas vagas nas escolas públicas e
particulares, criando quadros profissionais que mais tarde ocupariam os cargos
de mando no âmbito local, seja por meio de “concursos públicos” (empregos
arranjados) ou pelo jogo político.
Matéria do Professor
E Historiador: Antonio Vitorino
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