quinta-feira, 23 de janeiro de 2014

Ipu Antigo IV

Tela do camocinense F Chagas de Albuquerque
Desta forma, com uma estrada de ferro que permitia a ligação de boa parte da então região norte do Ceará ao porto de Camocim, as cidades beneficiadas por ela passaram a ter um canal de comunicação direto e mais eficiente com o circuito de transporte de mercadorias e de passageiros com o mercado nacional e internacional. 
Para a historiografia tradicional, a construção da EFS e o resgate e prolongamento da Estrada de Ferro de Baturité, pelo Governo Imperial[1], teriam sido resultados da seca de 1877-1879 que assolou a capitania do Ceará e flagelou extensa população.
Uma ferrovia era o sonho de boa parte dos homens de amplas posses, donos de extensas terras, gado e negócios na região norte, principalmente na cidade de Sobral, a mais populosa e desenvolvida daquelas paragens. Homens como o Dr. José Júlio de Albuquerque Barros, presidente da província do Ceará em 1878, nomeado no mesmo ano, por carta imperial de 9 de fevereiro, e posteriormente agraciado pelo Governo Imperial com o título de Conselheiro, por seus serviços prestados ao país[2], e o Dr. João Ernesto Viriato de Medeiros, Deputado Geral entre 1867 e 1868 e entre 1878 e 1881, ambos muito influentes junto aos ministros imperiais, trabalharam no sentido de convencer o governo imperial da necessidade de se construir uma estrada de ferro na então região norte do Ceará[3]. Usaram como argumento para isso, o fato de que aquela obra, necessária ao desenvolvimento da região, atenuaria os flagelos da seca que assolava a população cearense.
Aquela era a grande oportunidade. A seca significou, naquele momento, o surgimento de uma imensa massa de mão de obra barata, utilizada na construção da ferrovia. Resolver, ou pelo menos combater os seus efeitos, se apresentava apenas em nível discursivo, pois era um argumento que impressionava. Ou melhor, para legitimar a construção da ferrovia, as “elites” inteligentemente se utilizaram do discurso da seca para angariar recursos necessários ao seu projeto de desenvolvimento, uma constante em todos os momentos de flagelos a partir daquele momento. Visando beneficiar-se dos recursos públicos, homens de posses e os governos locais influentes junto ao governo imperial, na maioria das vezes, superestimavam os efeitos das secas.
Como mostra Durval Muniz de Albuquerque Jr. a seca foi usada como justificativa para as grandes obras na região. Dali em diante essa prática seria uma constante. Cabia às autoridades e as elites locais apenas relatar ao governo central os “horrores” das secas e, depois, administrar os recursos, não raras vezes desviados para cofres particulares. Para este historiador, as condições históricas de fins do século XIX fizeram da seca de 1877/79 um grande marco na sua história. Foi a partir daquele momento que as “elites do Norte” descobriram a grande arma que tinham em suas mãos para angariar recursos federais para a região. As elites do Norte, mais tarde Nordeste, passaram a politizar a temática da seca e a colocá-la no centro das atenções, por meio da qual se solicitavam recursos para a solução dos problemas da região[4]




[1] Ver, CAVALCANTI. José Pompeu de A. Chrographia da Província do Ceará. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1888, p. 174.
[2] Em 1887 recebeu o título de Barão de Sobral. Ver a respeito OLIVEIRA, André Frota de. A Estrada de Ferro de Sobral. Op. cit., p. 35.
[3] Segundo o estudioso André Frota de Oliveira, “Notável também foi o empenho, mencione-se de passagem, de alguns cearenses ilustres como o Dr. José Júlio de Albuquerque e Barros e o Dr. João Ernesto Viriato de Medeiros, ambos naturais de Sobral e figuras de relevo durante o Império, pode-se afirmar sem exagero que, graças a seus esforços junto ao ministério de Sinimbu, deve a construção da Estrada de Ferro de Sobral”. Idem, p. 38.
[4] ALBUQUERQUE JR. Durval Muniz. Palavras que calcinam, palavras que dominam: a Invenção da seca no Nordeste. In: Revista Brasileira de História. São Paulo: ANPUH / Marco Zero / MCT – CNPq – FINEP, 14 (28): p. 111-120, 1994. Em outro estudo, Durval Muniz afirma que o discurso da seca, amplamente utilizado pelas “elites do Norte”, para angariar recursos para a região, era uma forma de contrabalançar uma posição cada vez mais subalterna no contexto nacional. Os recursos conseguidos permitiam manter e mesmo reafirmar sua posição de dominação, contrabalançado a perda de espaços em nível nacional. ALBUQUERQUE, Durval Muniz. A invenção do Nordeste e outras artes. Recife: FJN, Massangana; São Paulo: Cortez, 1999.

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