Ipu Antigo IV
Tela do camocinense F Chagas de Albuquerque |
Para a historiografia tradicional, a
construção da EFS e o resgate e prolongamento da Estrada de Ferro de Baturité,
pelo Governo Imperial[1],
teriam sido resultados da seca de 1877-1879 que assolou a capitania do Ceará e
flagelou extensa população.
Uma ferrovia era o sonho de boa parte
dos homens de amplas posses, donos de extensas terras, gado e negócios na
região norte, principalmente na cidade de Sobral, a mais populosa e
desenvolvida daquelas paragens. Homens como o Dr. José Júlio de Albuquerque
Barros, presidente da província do Ceará em 1878, nomeado no mesmo ano, por
carta imperial de 9 de fevereiro, e posteriormente agraciado pelo Governo
Imperial com o título de Conselheiro, por seus serviços prestados ao país[2],
e o Dr. João Ernesto Viriato de Medeiros, Deputado Geral entre 1867 e 1868 e
entre 1878 e 1881, ambos muito influentes junto aos ministros imperiais, trabalharam
no sentido de convencer o governo imperial da necessidade de se construir uma
estrada de ferro na então região norte do Ceará[3].
Usaram como argumento para isso, o fato de que aquela obra, necessária ao
desenvolvimento da região, atenuaria os flagelos da seca que assolava a
população cearense.
Aquela era a grande oportunidade. A
seca significou, naquele momento, o surgimento de uma imensa massa de mão de obra
barata, utilizada na construção da ferrovia. Resolver, ou pelo menos combater
os seus efeitos, se apresentava apenas em nível discursivo, pois era um
argumento que impressionava. Ou melhor, para legitimar a construção da
ferrovia, as “elites” inteligentemente se utilizaram do discurso da seca para
angariar recursos necessários ao seu projeto de desenvolvimento, uma constante
em todos os momentos de flagelos a partir daquele momento. Visando
beneficiar-se dos recursos públicos, homens de posses e os governos locais
influentes junto ao governo imperial, na maioria das vezes, superestimavam os
efeitos das secas.
Como mostra Durval Muniz de Albuquerque
Jr. a seca foi usada como justificativa para as grandes obras na região. Dali em
diante essa prática seria uma constante. Cabia às autoridades e as elites
locais apenas relatar ao governo central os “horrores” das secas e, depois,
administrar os recursos, não raras vezes desviados para cofres particulares.
Para este historiador, as condições históricas de fins do século XIX fizeram da
seca de 1877/79 um grande marco na sua história. Foi a partir daquele momento
que as “elites do Norte” descobriram a grande arma que tinham em suas mãos para
angariar recursos federais para a região. As elites do Norte, mais tarde
Nordeste, passaram a politizar a temática da seca e a colocá-la no centro das
atenções, por meio da qual se solicitavam recursos para a solução dos problemas
da região[4].
[1]
Ver, CAVALCANTI. José Pompeu de A. Chrographia
da Província do Ceará. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1888, p. 174.
[2] Em
1887 recebeu o título de Barão de Sobral. Ver a respeito OLIVEIRA, André Frota
de. A Estrada de Ferro de Sobral. Op.
cit., p. 35.
[3]
Segundo o estudioso André Frota de Oliveira, “Notável também foi o empenho,
mencione-se de passagem, de alguns cearenses ilustres como o Dr. José Júlio de
Albuquerque e Barros e o Dr. João Ernesto Viriato de Medeiros, ambos naturais
de Sobral e figuras de relevo durante o Império, pode-se afirmar sem exagero
que, graças a seus esforços junto ao ministério de Sinimbu, deve a construção
da Estrada de Ferro de Sobral”. Idem, p. 38.
[4]
ALBUQUERQUE JR. Durval Muniz. Palavras que calcinam, palavras que dominam: a
Invenção da seca no Nordeste. In: Revista
Brasileira de História. São Paulo: ANPUH / Marco Zero / MCT – CNPq – FINEP,
14 (28): p. 111-120, 1994. Em outro estudo, Durval Muniz afirma que o discurso
da seca, amplamente utilizado pelas “elites do Norte”, para angariar recursos
para a região, era uma forma de contrabalançar uma posição cada vez mais
subalterna no contexto nacional. Os recursos conseguidos permitiam manter e
mesmo reafirmar sua posição de dominação, contrabalançado a perda de espaços em
nível nacional. ALBUQUERQUE, Durval Muniz. A
invenção do Nordeste e outras artes. Recife: FJN, Massangana; São Paulo:
Cortez, 1999.
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