quinta-feira, 23 de janeiro de 2014

A Festa de Sebastião de Ipu-Ce. Parte I

Segundo se registra, a festa do padroeiro teve início no século XIX, quando o Padre Correia veio para a Vila Nova do Ipu Grande, hoje cidade de Ipu, trazendo da capela da Freguesia da Serra dos Cocos[1], uma imagem de madeira de São Sebastião.
A capela de Ipu não passava de uma casa de taipa coberta de palha. O padre teria criado os festejos em homenagem a São Sebastião para arrecadar fundos para construção de um novo templo de alvenaria. É provável que a escolha do padroeiro da Vila tenha sido feita em função de se saber, por meio da oralidade, da existência de um surto de lepra em tempos remotos, contribuindo para existência, ainda em 1915, de alguns casos da doença, assombrando a população. Eusébio de Sousa, no entanto, tenta minimizar o fato dizendo:

Querem alludir aos decantados casos de morphéa ou lepra que dizem existir, em larga escala, no Ipú, propagando-se assustadoramente, quando a verdade é uma só e ninguem a poderá contestar: não ser absolutamente endemica essa doença no municipio, muito menos na cidade.
Ha sem duvida alguns casos dessa cruel enfermidade atacando preferencialmente pessoas de determinada família saliente da localidade. Estes mesmos foram transmittidos por um membro estranho, que a ella se ligou por affinalidade, aportando ao Ipú com um vírus inoculando, dizem que trazido das regiões da Amazônia. [2]
Relatos orais dos mais velhos, colhidos por Gorette Timbó, mostram que a população sempre se recorda das festas do padroeiro como algo glorioso e grandioso. Durante os dez dias de festejos, quase sempre entre os dias 10 e 20 de janeiro, a cidade atraia para o seu centro uma grande quantidade de pessoas vindas da serra e sertão do município e de outras cidades vizinhas. Muitos, como romeiros, buscavam a cidade, no período dos festejos de seu padroeiro, para pagar as promessas feitas ao santo mártir e outras para se divertirem nas noites alegres das festas profanas, que ocorriam após as novenas. Essa tradição ainda é forte nos dias atuais
Desde o surgimento dos festejos de São Sebastião, instituiu-se um cronograma de festividades que se mantém até hoje. No primeiro dia, a imagem do santo, ex-soldado das legiões romanas, consolador dos cristãos levado às masmorras romanas, enfeitada de galhos de laranjeira, percorre a cidade em procissão pelas principais ruas acompanhada por grande cortejo (muitos montados em animais, nos tempos idos, hoje com suas motocicletas e automóveis), tendo logo atrás, hoje, a banda de música municipal (no início do século era acompanhado pelas bandas de música do Centro Artístico Ipuense[3] e da Euterpe Ipuense[4]), cujo coro é entoado pelos mais devotos. Ao chegar à Igreja Matriz dá-se o hasteamento da bandeira (vermelha)[5] do santo, que fica suspensa na torre da igreja até o encerramento das comemorações, e tem início a missa de abertura (alvorada), quando, oficialmente são abertas as devoções religiosas em homenagem ao padroeiro.



[1] Por provisão de 30 de agosto de 1757 o bispado de Pernambuco dividiu o extenso Curato da Ribeira do Acaraú em quatro freguesias: A de Nossa Senhora da Conceição de Amontada; Santo Antônio de Pádua do Coreaú; Nossa Senhora da Conceição da Caiçara (Sobral); e São Gonçalo da Serra dos Cocos. Esta última compreendia as vertentes do Acaraú, da barra do Macaco para cima, o sertão e Serra da Ibiapaba. Provisoriamente foi destinada para Matriz da Freguesia a capela de São Gonçalo do Amarante, onde se chama Serra dos Cocos. Ver: ARAÚJO. Francisco Sadoc. História Religiosa de Guaraciaba do Norte. Fortaleza-Ce: Imprensa Oficial do Ceará, 1988. 
[2] SOUSA, Eusébio. Um pouco de historia. Op. Cit., p. 214.
[3] O Centro Artístico Ipuense foi fundado em 29 de junho de 1918. Era uma sociedade anônima e, segundo seus estatutos, beneficente cujo objetivo era o “alevantamento physico, intellectual e moral de seos associados”. Congregava parte da “elite” local. Realizavam-se em seus salões os concorridos soirées e contava com uma banda de música, que tocava nos espaços de sociabilidade que reunião os abastados e letrados da cidade. Estatutos do Centro Artístico Ipuense. Ipu: Typographia do Campo, 1921, p. 1.
[4] Associação elitista fundada na segunda década do século XX para desenvolver em seus sócios o gosto pela “boa música” e para prestar “benefícios ao seu torrão natal”, segundo seus estatutos. Possuía uma banda de música sempre solicitada para tocar nos bailes das associações elitistas locais (Gabinete de Leitura Ipuense, Grêmio Recreativo Sociedade Teatral e Dançante e Centro Artístico Ipuense) e nas comemorações oficiais do município.
[5] Em 1926, durantes o festejos em homenagem ao padroeiro da cidade, ocorreu um fato inusitado. Na madrugada do dia 13 daquele ano, por volta das 5 horas da manhã, 100 homens armados, do 2º destacamento da Coluna Prestes, vindos do Piauí, entravam na cidade de Ipu, descendo a ladeira da Mina (na subida da Serra da Ibiapaba).  O bando desceu rumo ao centro da cidade, por uma ladeira íngreme, atravessou uma ponte construída sobre o Riacho Ipuçaba, e penetrou no coração da Cidade, na Praça de São Sebastião. Logo, aqueles homens armados se sobressaltaram ao avistar no alto da Igreja, hasteada, uma bandeira vermelha. Todos se prepararam para o combate procurando ao redor, barricadas naturais, para se protegerem. Armados para o combate, esperavam o ataque inimigo, mas ele não vinha. Aquelas cem almas, comandadas pelo tenente-coronel João Alberto, vinham do Piauí e seu destino inicial era a cidade de Ipu. Nesta cidade, buscavam especificamente obter mapas geográficos detalhados dos Estados do Ceará, Rio Grande do Norte, Pernambuco e Paraíba. No Piauí, souberam da notícia de que eles existiam e se encontravam no acervo do Gabinete de Leitura Ipuense. Reinava um silêncio nas imediações da Igrejinha, na praça São Sebastião. Algumas portas do casario começavam a se abrir. Logo que o bando tomou contato com a população, percebeu que a cidade não estava preparada para atacá-los. O que os deixou apreensivos foi aquela bandeira vermelha hasteada no alto da Igrejinha. Pensaram tratar-se de um sinal de que a cidade resistiria à sua chegada, mas logo souberam que a localidade estava festejando o seu padroeiro, São Sebastião, e que aquela bandeira não passava de um símbolo tradicional dedicada ao santo.

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