A Festa de Sebastião de Ipu-Ce. Parte I
Segundo
se registra, a festa do padroeiro teve início no século XIX, quando o Padre
Correia veio para a Vila Nova do Ipu
Grande, hoje cidade de Ipu, trazendo da capela da Freguesia da Serra dos
Cocos[1], uma
imagem de madeira de São Sebastião.
A
capela de Ipu não passava de uma casa de taipa coberta de palha. O padre teria
criado os festejos em homenagem a São Sebastião para arrecadar fundos para
construção de um novo templo de alvenaria. É provável que a escolha do
padroeiro da Vila tenha sido feita em função de se saber, por meio da
oralidade, da existência de um surto de lepra em tempos remotos, contribuindo
para existência, ainda em 1915, de alguns casos da doença, assombrando a
população. Eusébio de Sousa, no entanto, tenta minimizar o fato dizendo:
Querem
alludir aos decantados casos de morphéa ou lepra que dizem existir, em larga
escala, no Ipú, propagando-se assustadoramente, quando a verdade é uma só e
ninguem a poderá contestar: não ser absolutamente endemica essa doença no
municipio, muito menos na cidade.
Ha sem
duvida alguns casos dessa cruel enfermidade atacando preferencialmente pessoas
de determinada família saliente da localidade. Estes mesmos foram transmittidos
por um membro estranho, que a ella se ligou por affinalidade, aportando ao Ipú
com um vírus inoculando, dizem que trazido das regiões da Amazônia. [2]
Relatos
orais dos mais velhos, colhidos por Gorette Timbó, mostram que a população
sempre se recorda das festas do padroeiro como algo glorioso e grandioso.
Durante os dez dias de festejos, quase sempre entre os dias 10 e 20 de janeiro,
a cidade atraia para o seu centro uma grande quantidade de pessoas vindas da
serra e sertão do município e de outras cidades vizinhas. Muitos, como
romeiros, buscavam a cidade, no período dos festejos de seu padroeiro, para pagar
as promessas feitas ao santo mártir e outras para se divertirem nas noites
alegres das festas profanas, que ocorriam após as novenas. Essa tradição ainda
é forte nos dias atuais
Desde o surgimento dos festejos de São Sebastião, instituiu-se um
cronograma de festividades que se mantém até hoje. No primeiro dia, a imagem do
santo, ex-soldado das legiões romanas, consolador dos cristãos levado às
masmorras romanas, enfeitada de galhos de laranjeira, percorre a cidade em
procissão pelas principais ruas acompanhada por grande cortejo (muitos montados
em animais, nos tempos idos, hoje com suas motocicletas e automóveis), tendo logo
atrás, hoje, a banda de música municipal (no início do século era acompanhado
pelas bandas de música do Centro
Artístico Ipuense[3] e da Euterpe Ipuense[4]), cujo
coro é entoado pelos mais devotos. Ao chegar à Igreja Matriz dá-se o hasteamento
da bandeira (vermelha)[5] do santo,
que fica suspensa na torre da igreja até o encerramento das comemorações, e tem
início a missa de abertura (alvorada), quando, oficialmente são abertas as devoções
religiosas em homenagem ao padroeiro.
[1]
Por provisão de 30 de agosto de 1757 o bispado de Pernambuco dividiu o extenso
Curato da Ribeira do Acaraú em quatro freguesias: A de Nossa Senhora da
Conceição de Amontada; Santo Antônio de Pádua do Coreaú; Nossa Senhora da
Conceição da Caiçara (Sobral); e São Gonçalo da Serra dos Cocos. Esta última
compreendia as vertentes do Acaraú, da barra do Macaco para cima, o sertão e
Serra da Ibiapaba. Provisoriamente foi destinada para Matriz da Freguesia a
capela de São Gonçalo do Amarante, onde se chama Serra dos Cocos. Ver: ARAÚJO.
Francisco Sadoc. História Religiosa de
Guaraciaba do Norte. Fortaleza-Ce: Imprensa Oficial do Ceará, 1988.
[2] SOUSA, Eusébio.
Um pouco de historia. Op. Cit., p. 214.
[3] O Centro Artístico Ipuense foi fundado em
29 de junho de 1918. Era uma sociedade anônima e, segundo seus estatutos,
beneficente cujo objetivo era o “alevantamento physico, intellectual e moral de
seos associados”. Congregava parte da “elite” local. Realizavam-se em seus
salões os concorridos soirées e
contava com uma banda de música, que tocava nos espaços de sociabilidade que
reunião os abastados e letrados da cidade. Estatutos
do Centro Artístico Ipuense. Ipu: Typographia do Campo, 1921, p. 1.
[4] Associação
elitista fundada na segunda década do século XX para desenvolver em seus sócios
o gosto pela “boa música” e para prestar “benefícios ao seu torrão natal”,
segundo seus estatutos. Possuía uma banda de música sempre solicitada para
tocar nos bailes das associações elitistas locais (Gabinete de Leitura Ipuense, Grêmio Recreativo Sociedade Teatral e
Dançante e Centro Artístico Ipuense) e nas comemorações oficiais do
município.
[5] Em 1926,
durantes o festejos em homenagem ao padroeiro da cidade, ocorreu um fato
inusitado. Na madrugada do dia 13 daquele ano, por volta das 5 horas da manhã,
100 homens armados, do 2º destacamento da Coluna Prestes, vindos do Piauí,
entravam na cidade de Ipu, descendo a ladeira da Mina (na subida da Serra da Ibiapaba). O bando desceu rumo ao centro da cidade, por
uma ladeira íngreme, atravessou uma ponte construída sobre o Riacho Ipuçaba, e
penetrou no coração da Cidade, na Praça de São Sebastião. Logo, aqueles homens
armados se sobressaltaram ao avistar no alto da Igreja, hasteada, uma bandeira
vermelha. Todos se prepararam para o combate procurando ao redor, barricadas
naturais, para se protegerem. Armados para o combate, esperavam o ataque
inimigo, mas ele não vinha. Aquelas cem almas, comandadas pelo tenente-coronel João Alberto, vinham do Piauí e
seu destino inicial era a cidade de Ipu. Nesta cidade, buscavam especificamente
obter mapas geográficos detalhados dos Estados do Ceará, Rio Grande do Norte,
Pernambuco e Paraíba. No Piauí, souberam da notícia de que eles existiam e se
encontravam no acervo do Gabinete de
Leitura Ipuense. Reinava um
silêncio nas imediações da Igrejinha, na praça São Sebastião. Algumas portas do
casario começavam a se abrir. Logo que o bando tomou contato com a população,
percebeu que a cidade não estava preparada para atacá-los. O que os deixou
apreensivos foi aquela bandeira vermelha hasteada no alto da Igrejinha.
Pensaram tratar-se de um sinal de que a cidade resistiria à sua chegada, mas
logo souberam que a localidade estava festejando o seu padroeiro, São
Sebastião, e que aquela bandeira não passava de um símbolo tradicional dedicada
ao santo.
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