domingo, 17 de novembro de 2013




Meu Pai! 
Uma rede de tucum armada numa sala de jantar e nela recostado, negligentemente, um seresteiro dedilhava suavemente nas cordas de um violão, uma antiga canção “Rancho Fundo”.
Ora assobiava, ora cantava baixinho. No seu rosto havia uma expressão tal que eu tinha a sensação que ele era a personificação daquela música.
É uma canção bonita e saudosa. Suas notas possuem o poder de trazer de volta, por alguns instantes, as emoções sentidas no nosso convívio alegre com meu Pai.
O tempo passou rápido, marcado pela irreversibilidade das horas e dos sons dolentes de belas melodias, executadas com maestria pelas mãos magicas do saudoso seresteiro.
E a alegria se transformou em dor!  
Durante dois anos, ele arrumou, serenamente, a sua bagagem. E um dia. Ao alvorecer, junto com o canto da passarada, armado de muita coragem, partiu. Foi morar noutras paragens, onde os anjos se misturam com os poetas seresteiros. E nem perto dele eu estava para o ultimo e dolorido adeus.
No velho birô a companheira de tantos anos, silenciou suas teclas. Era velha maquina de datilografia.
O sonoro pinho, emudeceu tristemente.
Se não existisse ali, sobre a mesa, uma fotografia, nem sentiríamos falta, pois cada objeto nos fala dele e sentimos a sua presença, viva em tudo. É como se o seu espirito estivesse sempre rondando nesse ambiente antes tão seu.
Não vou esquecê-lo, nunca’
Como se pode esquecer um rosto alegre, palavras amigas, de gestos cuidadosos de um Pai!
Ali naquela janela, onde ele gostava de ficar recostado, roendo as unhas, olhando a rua ou o céu, falava pra mim coisas importantes que aprendeu ao logo de sua vida e de experiências adquiridas ao correr do tempo. Fatos interessantes não eram dispensados e contados com uma graça sem igual.
Se o tempo anunciava chuva, o braço moreno apontava a a direção de uma nuvem e o ensinamento acompanhava o gesto. “Minha filha, nuvem, com capelo, tem agua”. Chove na certa!
Como posso esquecer?
E o terrível medo dos relâmpagos, era tão grande quanto seu orgulho de ser Ipuense.
Sempre que havia um acontecimento de maior relevância aproveitava a ocasião e deixava uma lição para a vida; de alegrias, esperanças e, até, mesmo, de amor a terra natal.
Porem a maior e mais importante de todas elas nos foi dada em silencio já no fim dos seus dias, quando a terrível doença já desaparecido no rosto moreno; O seu espirito estava lá, em pé, forte cheio de lutas e coragem, mostrando a todos que não devemos nos curvar diante dos revezes da vida, mesmo que as grandes tempestades nos atingiam cruelmente.
Senhor Alberto, onde quer que você esteja – cá, entre nós, numa outra dimensão inatingível pela riqueza de nossa visão, ou quem sabe, recostado na ponta de uma estrela a olhar amorosamente sua pequena Ipu, sinta na vastidão do Universo - saiba que bem perto de você, estão os nossos corações cheios de saudades e que uma lembrança durará em nós até o dia em que nos encontrarmos para ouvi-lo cantar, novamente, a bonita canção “No Rancho Fundo”.

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