Particularisemos as do Ipú.
O primeiro a ser executado na via mais publica dessa cidade, naturalmente nas immediações do local onde está hoje situada a egreja matriz, e onde existia o seu pelourinho, foi o escravo de nome Estevão.
O crime que motivou a sua condemnação a pena capital, foi, segundo consta dos autos respectivos, ter o alludido escravo, em uma noute do mez de maio de 1845, assassinado, com uma cacetada e facada, ao seu feitor Manoel de Carvalho Guedes Mourão, facto que se desenrolou no sítio Conceição, do termo. Estevão era escravo do coronel Diogo Lopes de Araujo Salles.
Processado o criminoso, no summario da culpa foram ouvidas seis testemunhas, e o seu curador ad litem, cidadão Antonio de Hollanda Bezerra, contrariando o libello-crime accusatorio, confessou o crime de seu curatelado, allegando, em defesa, ter sido elle surrado pelo feitor, o que competia somente ao seu senhor. Para derimir a responsabilidade de Estevão o curador articulou as circumstancias attenuantes do art. 18 §§ 2.o, 3.o, 7.o e 8.o do codigo de então, isto é, ter o delinquente commettido o crime para evitar mal maior; em defesa de sua propria pessoa; aterrado de ameaças; e ter sido provocado o delinquente.
De nada lhe valeram esses remedios da lei. O jury, soberano como sempre, reconheceu a gravidade do crime, rodeando-o de circumstancias aggravantes, como sejam ter sido o crime commettido à noute; por motivo frivolo; faltando o réo com o respeito devido à edade do offendido; haver superioridade de forças e armas; haver, na victima a qualidade de superior do réo; haver premeditação; ter entrado o réo na casa do offendido; e haver commettido o crime com surpresa; condemnando o escravo Estevão á pena ultima do codigo.
É do teor seguinte a sentença de morte:
«A vista da decisão do jury, que achou o réo Estevão, escravo, incurso no crime de morte contra Manoel de Carvalho Guedes Mourão, com as circumstancias aggravantes dos §§ 1.o, 4.o, 5.o, 6.o, 7.o e 8.o, 14 e 15, do art. 16 do Codigo Penal. O escrivão o recommende na prisão em que se acha, pague o seu senhor as custas em que o condemno. Sala das Sessões do Jury, 16 de setembro de 1845 - FRANCISCO PAULINO GALVÃO».
O prolator desta sentença era leigo e desempenhava as funcções de juiz de direito interino da comarca.
Como promotor interino, no processo, funccionou o cidadão Domingos Carlos de Saboya e como escrivão Manoel Xavier Felix Macambira.
A sentença foi executada, segundo certidão do escrivão interino que funccionou na execução, José Xavier Felix Macambira, pelas dez horas da manhã de 23 de setembro de 1845 - sete dias após a sentença condemnatoria! - depois de preenchidas as formalidades dos art. 39, 40 e 41 do Codigo Criminal.
Foi juiz da execução o capitão Pedro Martins de Araujo Veras, na qualidade de primeiro substituto do juiz municipal.
Nos autos da execução proferio esse juiz a seguinte sentença:
«Hei por terminada e concluida a execução do tribunal dos jurados proferida contra a pessôa do réo escravo Estevão, a qual julgo por sentença. O Escrivão faça remessa destes autos ao Juiz do Direito interino para o fazer averbar no processo principal, na fórma do artigo 208 das Leis da Refórma - Villa Nova do Ipú, aos 23 de setembro de 1845 - PEDRO MARTINS DE ARAÚJO VERAS.
No espirito do Codigo Criminal de 1830 a pena de morte seria dada na fôrca e esta seria levantada quando fosse necessaria, para não estar continuadamente ás vistas do publico, competindo aos juizes municipaes mandar levantal-a nas occasiões opportunas.
No dia designado para a execução o réo, com o seu vestido ordinario e preso, seria conduzido pelas ruas publicas até a fôrca, acompanhado do juiz criminal com o seu escrivão e da força previamente requisitada. Ao acompanhamento precedia o porteiro dos auditorios lendo em voz alta a sentença que se ia executar.
O juiz criminal - posteriormente com a promulgação do Codigo do Processo Criminal, passou essa funcção a ser desempenhada pelo juiz municipal, que se tornou o executor de todas as sentenças de direito e tribunaes do seu termo - presidia a execução até que ella se ultimasse e o escrivão passava certidão de todo o acto, da qual se fazia juntada ao processo respectivo.
Os corpos dos enforcados eram entregues aos seus parentes e amigos, caso fossem reclamados ao juiz que presidisse a execução, mas era-lhes imposta a condição de não poderem enterral-os com pompa, sob pena de prisão por um mez a um anno.
A execução do escravo Estevão, no Ipú, pelas irregularidades que precederam ao seu julgamento e acceleramento do acto, sete dias após a sentença condemnatoria, negando-se até o direito de graça que lhe cabia, deu logar a graves censuras, e, annos depois, o processo que parecia esquecido em cartorio, renovou-se, na decretação da responsabilidade dos seus executores.
É que ella foi processada com a mesma precipitação com que o foram os de Estacio José da Gama, no Quixeramobim, e Joaquim Pinto Madeira e José Mariano, no Crato, de que nos fala a historia, verdadeiros assassinatos juridicos, como inspiradamente classificou alguem.
A responsabilidade a que alludimos collige-se da correição aberta, na comarca, pelo respectivo juiz de direito, dr. João Querino Rodrigues da Silva, o qual, tomando conhecimento do processo, assim se expressou:
«Vistos estes autos em correição, etc.
Nem por ser escravo o réo deste processo, lhe era vedado o recurso de graça, nem os de se preencher para com elle o que as leis em vigor determinam a respeito do réo mesmo de tal condição, a quem é imposta sentença capital, como a bem de outras disposições legislativas vigentes está determinado pelo decreto de 9 de março de 1837. Portanto, procedeu irregularmente o juiz de direito interino que mandou pôr á disposição do juiz municipal o réo em questão, afim de ser executada a sentença condemnatória antes de passar os tramites legaes, como o juiz muncipal em a mandar executar antes de esgotados os recursos que aos réos são devidos, independente de os requererem, como o que se acha feito e que foi attentado contra a vida desse indivíduo pelo que são um e outro dignos de responsabilidades, devendo-o ser o ultimo para fóro da justiça criminal desta comarca e o primeiro, pelo privilegio da lei, para o tribunal competente, devendo o dr. promotor publico instruir e intentar a accusação, como lhe cumpre. Ipú, 31 de agosto de 1851. O escrivão faça intimar esta. Dia era supra. - SILVA».
Naturalmente baseara-se o prolator da sentença de morte contra o réo Estevão no espirito da lei de 16 de Junho de 1815, cujo artigo 4.o dispunha que «toda sentença condemnatoria contra escravo era executada sem recurso algum».
A lei, nesse ponto, era de uma crueldade sem nome.
Não se pode affirmar se a responsabilidade decretada teve andamento. Pelo menos nada consta em cartorio e é bem provavel ter ficado ella no olvido como ficou a execução do escravo Estevão.
O primeiro a ser executado na via mais publica dessa cidade, naturalmente nas immediações do local onde está hoje situada a egreja matriz, e onde existia o seu pelourinho, foi o escravo de nome Estevão.
O crime que motivou a sua condemnação a pena capital, foi, segundo consta dos autos respectivos, ter o alludido escravo, em uma noute do mez de maio de 1845, assassinado, com uma cacetada e facada, ao seu feitor Manoel de Carvalho Guedes Mourão, facto que se desenrolou no sítio Conceição, do termo. Estevão era escravo do coronel Diogo Lopes de Araujo Salles.
Processado o criminoso, no summario da culpa foram ouvidas seis testemunhas, e o seu curador ad litem, cidadão Antonio de Hollanda Bezerra, contrariando o libello-crime accusatorio, confessou o crime de seu curatelado, allegando, em defesa, ter sido elle surrado pelo feitor, o que competia somente ao seu senhor. Para derimir a responsabilidade de Estevão o curador articulou as circumstancias attenuantes do art. 18 §§ 2.o, 3.o, 7.o e 8.o do codigo de então, isto é, ter o delinquente commettido o crime para evitar mal maior; em defesa de sua propria pessoa; aterrado de ameaças; e ter sido provocado o delinquente.
De nada lhe valeram esses remedios da lei. O jury, soberano como sempre, reconheceu a gravidade do crime, rodeando-o de circumstancias aggravantes, como sejam ter sido o crime commettido à noute; por motivo frivolo; faltando o réo com o respeito devido à edade do offendido; haver superioridade de forças e armas; haver, na victima a qualidade de superior do réo; haver premeditação; ter entrado o réo na casa do offendido; e haver commettido o crime com surpresa; condemnando o escravo Estevão á pena ultima do codigo.
É do teor seguinte a sentença de morte:
«A vista da decisão do jury, que achou o réo Estevão, escravo, incurso no crime de morte contra Manoel de Carvalho Guedes Mourão, com as circumstancias aggravantes dos §§ 1.o, 4.o, 5.o, 6.o, 7.o e 8.o, 14 e 15, do art. 16 do Codigo Penal. O escrivão o recommende na prisão em que se acha, pague o seu senhor as custas em que o condemno. Sala das Sessões do Jury, 16 de setembro de 1845 - FRANCISCO PAULINO GALVÃO».
O prolator desta sentença era leigo e desempenhava as funcções de juiz de direito interino da comarca.
Como promotor interino, no processo, funccionou o cidadão Domingos Carlos de Saboya e como escrivão Manoel Xavier Felix Macambira.
A sentença foi executada, segundo certidão do escrivão interino que funccionou na execução, José Xavier Felix Macambira, pelas dez horas da manhã de 23 de setembro de 1845 - sete dias após a sentença condemnatoria! - depois de preenchidas as formalidades dos art. 39, 40 e 41 do Codigo Criminal.
Foi juiz da execução o capitão Pedro Martins de Araujo Veras, na qualidade de primeiro substituto do juiz municipal.
Nos autos da execução proferio esse juiz a seguinte sentença:
«Hei por terminada e concluida a execução do tribunal dos jurados proferida contra a pessôa do réo escravo Estevão, a qual julgo por sentença. O Escrivão faça remessa destes autos ao Juiz do Direito interino para o fazer averbar no processo principal, na fórma do artigo 208 das Leis da Refórma - Villa Nova do Ipú, aos 23 de setembro de 1845 - PEDRO MARTINS DE ARAÚJO VERAS.
No espirito do Codigo Criminal de 1830 a pena de morte seria dada na fôrca e esta seria levantada quando fosse necessaria, para não estar continuadamente ás vistas do publico, competindo aos juizes municipaes mandar levantal-a nas occasiões opportunas.
No dia designado para a execução o réo, com o seu vestido ordinario e preso, seria conduzido pelas ruas publicas até a fôrca, acompanhado do juiz criminal com o seu escrivão e da força previamente requisitada. Ao acompanhamento precedia o porteiro dos auditorios lendo em voz alta a sentença que se ia executar.
O juiz criminal - posteriormente com a promulgação do Codigo do Processo Criminal, passou essa funcção a ser desempenhada pelo juiz municipal, que se tornou o executor de todas as sentenças de direito e tribunaes do seu termo - presidia a execução até que ella se ultimasse e o escrivão passava certidão de todo o acto, da qual se fazia juntada ao processo respectivo.
Os corpos dos enforcados eram entregues aos seus parentes e amigos, caso fossem reclamados ao juiz que presidisse a execução, mas era-lhes imposta a condição de não poderem enterral-os com pompa, sob pena de prisão por um mez a um anno.
A execução do escravo Estevão, no Ipú, pelas irregularidades que precederam ao seu julgamento e acceleramento do acto, sete dias após a sentença condemnatoria, negando-se até o direito de graça que lhe cabia, deu logar a graves censuras, e, annos depois, o processo que parecia esquecido em cartorio, renovou-se, na decretação da responsabilidade dos seus executores.
É que ella foi processada com a mesma precipitação com que o foram os de Estacio José da Gama, no Quixeramobim, e Joaquim Pinto Madeira e José Mariano, no Crato, de que nos fala a historia, verdadeiros assassinatos juridicos, como inspiradamente classificou alguem.
A responsabilidade a que alludimos collige-se da correição aberta, na comarca, pelo respectivo juiz de direito, dr. João Querino Rodrigues da Silva, o qual, tomando conhecimento do processo, assim se expressou:
«Vistos estes autos em correição, etc.
Nem por ser escravo o réo deste processo, lhe era vedado o recurso de graça, nem os de se preencher para com elle o que as leis em vigor determinam a respeito do réo mesmo de tal condição, a quem é imposta sentença capital, como a bem de outras disposições legislativas vigentes está determinado pelo decreto de 9 de março de 1837. Portanto, procedeu irregularmente o juiz de direito interino que mandou pôr á disposição do juiz municipal o réo em questão, afim de ser executada a sentença condemnatória antes de passar os tramites legaes, como o juiz muncipal em a mandar executar antes de esgotados os recursos que aos réos são devidos, independente de os requererem, como o que se acha feito e que foi attentado contra a vida desse indivíduo pelo que são um e outro dignos de responsabilidades, devendo-o ser o ultimo para fóro da justiça criminal desta comarca e o primeiro, pelo privilegio da lei, para o tribunal competente, devendo o dr. promotor publico instruir e intentar a accusação, como lhe cumpre. Ipú, 31 de agosto de 1851. O escrivão faça intimar esta. Dia era supra. - SILVA».
Naturalmente baseara-se o prolator da sentença de morte contra o réo Estevão no espirito da lei de 16 de Junho de 1815, cujo artigo 4.o dispunha que «toda sentença condemnatoria contra escravo era executada sem recurso algum».
A lei, nesse ponto, era de uma crueldade sem nome.
Não se pode affirmar se a responsabilidade decretada teve andamento. Pelo menos nada consta em cartorio e é bem provavel ter ficado ella no olvido como ficou a execução do escravo Estevão.
(Matéria Estraída da Revista Trimestral do Instituto Histórico e Antropológico do Ceara - 1915. por Eusébio de Souza)
Obs.Escrita da Época.
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