quinta-feira, 13 de outubro de 2011



O Estudante Alsaciano
Antigamente, a escola era risonha e franca.



Do velho professor as cans, a barba branca,



Infundiam respeito, impunham sympathia,



Modelando as feições do velho, que sorria



E era como creança em meio das creanças.



Como ao pombal correndo em bando as pombas mansas,



Corriam para a escola; e nem sequer assomo



De aversão ou desgosto, ao ir para ali como



Quem vae para uma festa.






Ao começar o estudo,



Elles, sem um pesar, abandonavam tudo,



E submissos, joviaes, nos bancos em fileiras,



Iam todos sentar-se em frente das carteiras,



Attenta, gravemente — uns pequeninos sabios.



Uma phrase a animar aquelle bando imbelle,



Ia ensinando a este, ia emendando áquelle,



De manso, com carinho e paternal amor.
Por fim, tudo mudou.



Agora o professor,



Um grave pedagogo, é austero e conciso;



Nunca os labios lhe abriu a sombra d’um sorriso



E aos pequenos mudou em calabouço a escola






Pobres aves, sem dó metidas na gaiola!



Lá dentro, hoje, o francez é lingua morta e muda:



Unicamente o allemão ali se falla e estuda,



São allemães o mestre, os livros e a lição;



A Alsacia é allemã; o povo é alemão.



Como na propria patria é triste ser proscripto!



Frequentava tambem a escola um rapazito De severo perfil, energico, expressivo,



Pallido, magro, o olhar intelligente e vivo



— Mas de intima tristeza aquelle olhar velado



Modesto no trajar, de lucto carregado...



— Pela patria talvez!



— Doze annos só teria.



O mestre, d’uma vez, chamou-o á geographia:
— "Dize-me cá, rapaz... Que é isso? estás de lucto? Quem te morreu?"



— "Meu pae, no último reduto,



Em defeza da patria!"
— "Ah! sim, bem sei, adeante...



Tu tens assim um ar de ser bom estudante.



Quaes são as principaes nações da Europa? Vá!"
— "As principaes nações são... a França..." —



"Hein? que é lá?... Com que então, a primeira a França!



Bom começo!



De todas as nações, pateta, que eu conheço,



Aquella que mais vale, a que domina o mundo,



Nas grandes concepções e no saber profundo,



Em riqueza e esplendor, nas lettras e nas artes,



Que leva o seu domínio ás mais remotas partes,



A mais nobre na paz, a mais forte na guerra,



D’onde irradia a sciencia a illuminar a terra,



A maior, a mais bella, a que das mais desdenha,



Fica-o sabendo tu, rapaz, é a Allemanha!"




Elle sorriu com ar desprezador e altivo,



A cabeça agitou n’um gesto negativo,



E tornou com voz firme:
— "A França é a primeira!"



O mestre, furioso, ergue-se da cadeira,



Bate o pé, e uma praga energica lhe escapa.
— "Sabes onde está a França?



Aponta-m’a no mappa!"



O alumno ergue-se então, os olhos fulgurantes,



O rosto afogueado; e emquanto os estudantes



Olham cheios de assombro aquelle destemido,



Ante o mestre, nervoso, audaz e commovido,



Timido feito heróe, pygmeu tornado athleta,



Desaperta, febril, a sua blusa preta,



E batendo no peito, impavida, a creança Exclama:



— "É aqui dentro! aqui é que está a França!"




Acácio Antunes

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