domingo, 12 de abril de 2015

A MENINA DO RIACHO VERDE – Pag. 72-73

            Ela corria ligeira pelas matas de Ipu colhendo flores silvestres para enfeitar os cabelos. Era de uma beleza exuberante e agressiva. Alta, queimada do sol, olhos verdes e luminosos, cabelos ondulados, corpo delgado e seios enormes saindo pelo decote da blusa ajustada. Andava de pés descalços e usava saias curtas e provocantes. Parecia um demônio, solta pelas caatingas com uma espingarda sobre os ombros e a cartucheira em volta da cintura. A arma poderia disparar a qualquer momento caso alguém tentasse se aproximar. Adorava provocar a curiosidade dos homens e o ciúme das mulheres do Riacho Verde. Lá para os lados do rochedo havia um olho d'água que alcançava o riacho perto do canavial. Era um lugar tranquilo e bonito onde a menina gostava de tomar o seu banho matinal. Quando ela pressentia alguém por perto começava a tirar a roupa bem devagarinho e fazia o seu strip-tease à luz do sol e ao sopro da brisa. O corpo da moça era uma verdadeira escultura embalando-se num ritmo discreto e sensual como se fosse uma ninfa na cascata. Quando ela saía do esconderijo de pedras os pingos d'água brilhavam como ouro no corpo nu que tremia de frio. A rapaziada curiosa e enlouquecida assistia de longe aquela cena alucinante mas ninguém se atrevia a chegar às rochas pois a espingarda estava lá e qualquer passo em falso poderia ser fatal. Ela sabia como enlouquecer aquela gente com o poder da sua sedução. Ela chegou ao Riacho Verde ainda bem pequena quando fora abandonada pela mãe na cidade do Rio de Janeiro. O pai, cearense, trouxe a garota para ser criada pelos avós. Nunca porém ela conseguia se adaptar  e era uma estranha naquelas paragens agrestes tão distantes da civilização, tão diferentes da realidade onde havia nascido. Tornou-se rebelde a alimentar um ódio secreto por tudo aquilo que constituía o seu novo mundo. Ninguém conseguia acalmá-la. As crianças nativas foram despertadas pelas suas estórias fantásticas, pelo seu sotaque carioca e pelo atrevimento de seus gestos. Seu nome era Steffany e soava sofisticado demais no meio das Marias, das Franciscas e das Rosinhas. Aqueles olhos verdes e profundos falavam de um mundo completamente desconhecido para as meninas morenas, pálidas e magrinhas. Steffany era o contraste das vidas marcadas pelo descaso dos governantes, pela discriminação regional, pelo desnível social, e pelo abandono de homem que lida com a terra. Steffany pouco a pouco foi armando a sua vingança contra aquela gente que nunca suportou a sua presença. Tornou-se uma verdadeira índia perdida pelas matas. Aprendeu a carregar os cartuchos da espingarda e se embrenhar no sopé da serra da Ibiapaba. Era uma nova Iracema, a virgem dos lábios de mel, personagem de José de Alencar que imortalizou o Ipu no cenário da literatura nacional. E a sua vingança foi provocar o amor dos homens através de suas aparições matinais no rochedo silencioso. Era um momento de glória e de êxtase. Um dia porém a bela carioca decidiu abandonar aquela vida tão sofrida que se tornou monótona. Pegou carona com uma família que viajava para o Rio de Janeiro.
            E nunca mais o Riacho Verde foi o mesmo. Tudo ficou mais pobre e mais triste sem a presença marcante da moça que brincava com a fantasia dos rapazes e com os sentimentos das mocinhas tão puras do lugar. O olho d'água parecia chorar e as suas lágrimas se perdiam no leito sem vida.
            Os rapazes sempre voltavam ao rochedo mas só encontravam a frieza das pedras, a saudade dos tempos ditosos e a lembrança de Steffany que mudou a paisagem e a cabeça de muita gente. Nunca mais se ouviu falar da menina de olhos tristes que enfeitiçava os homens do Riacho Verde.
Organizada por Reis de Sousa)
Contos do Brasil Contemporâneo – vol. XXV – 1998.

(Selecionados pela Revista Brasília – D.F.)

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