quinta-feira, 25 de setembro de 2014

OS DOIS AMIGOS
Vicente Lucinda e Gonçalo Doroteu eram agricultores e proprietários de terras no Sítio Morrinhos, no município de Campo Grande, hoje Guaraciaba do Norte no estado do Ceará.
Esses dois senhores eram muito amigos. Eram colegas de caçadas nas Macambiras, eram companheiros nos forrós que, na época, chamavam samba, quando era de cunho popular, e de baile, quando era de cunho social.
Também eles se encontravam com outros amigos, na casa do Antonio Cândido, - colono de meu pai - nos fins de tardes para um jogo de cartas, onde jogavam três setes, bisca sete e meio e outros; no víspora, eles rifavam queijos e outras coisas.
Vou chamá-los de tios; pois o Vicente Lucinda era realmente meu tio, e o Gonçalo Doroteu, apesar de não; todos o chamavam de Tigonçalinho. Era assim que eram chamados todos os mais velhos em minha época.
Os dois tinham mais um motivo para serem amigos, o Tigonçalinho era padrinho de um filho do Tio Vicente. Eram compadres.
Em 1952, os filhos do Tigonçalinho, que já moravam no Rio de Janeiro, compraram um sítio no município de Nova Iguaçu, no estado do Rio de Janeiro e levaram ele e a família para morar lá. Os filhos do Tigonçalinho já haviam casado, quase todos, portanto sua família se compunha agora da esposa e uma filha excepcional.
Lá neste sítio, no lugar chamado Ambaí, os filhos dele construíram um pedaço dos Morrinhos, inclusive com uma casa de farinha, coisa inteiramente desconhecida no lugar.
Em 1954, havia chagado ao Rio de Janeiro, vindo do Ceará, viera para este sítio uma moça da família da namorada de um dos filhos do Tigonçalinho.
Como a colônia do pessoal dos Morrinhos naquela ocasião ainda era pequena e que a saudade da terra natal era muito grande, a gente arrumava sempre algum motivo para nos reunirmos e, consequentemente, falar das coisas da terra alencarina tão distante.
Tínhamos bom motivo, promoveu-se um tipo de festa-americana, em que todos se cotizava, contribuíam com alguma coisa e fazíamos a festa.
Eu tinha apenas 16 anos e muita saudade das noites serranas lá do Ceará, também estive lá. Na época, eu não bebia nada, mas houve muita bebida.
Tigonçalinho tomou algumas cervejas e ficou bastante alegre e, como eu sempre digo, as pessoas mais sinceras e honestas do Mundo, são os bêbados e os loucos. Tigonçalinho conversando comigo me disse:
- Amadeu, eu tive em sua família meus melhores amigos. Destaco o compadre Vicente Lucinda.
E me contou a seguinte história.
- Uma vez, nós em uma caçada na Macambira, no lugar chamado Tranzual, eu tive uma isolação muito forte. Nossa água havia acabado e eu desmaiei de sede.
O compadre Vicente Lucinda me colocou nos ombros e me transportou por mais de uma légua até que encontrássemos água.
Sem coragem, a força, o amor e principalmente a presença de espírito dele, eu teria morrido. Devo-te esta, compadre Vicente Lucinda!
Fiquei feliz com a história feliz, porque o compadre Vicente Lucinda era meu tio.
Quando cheguei ao Ceará em conversa com meu tio, contei-lhe esta história. Tio Vicente disse-me:
- Meu sobrinho, o compadre Gonçalinho está entre meus melhores amigos. Para que esta amizade seja completa, só falta uma coisa. Então lhe perguntei qual era esta coisa. Ele então me disse:
- É que um porco dele passe no meu quintal para eu dar-lhe um tiro e matar-lhe.
- Tio, mas que história mais besta! Não estou entendendo nada...
- É que apesar desta amizade tão grande, um dia, quando um porco meu passou em seu quintal, ele o matou. Nunca discutimos sobre este assunto. No entanto, no dia que um porco dele passar no meu quintal, eu mato, independente dele estar presente ou não.
Tigonçalinho morreu anos depois no Rio de Janeiro e Tio Vicente no Ceará. Nunca mais se viram, mas a amizade deste dois amigos foi eterna, nem mesmo esse incidente maculou aquela amizade.
Do livro: “O Anjo da Noite e Outros Contos” de Amadeu Lucinda. ©
OS DOIS AMIGOS

Vicente Lucinda e Gonçalo Doroteu eram agricultores e proprietários de terras no Sítio Morrinhos, no município de Campo Grande, hoje Guaraciaba do Norte no estado do Ceará. 
Esses dois senhores eram muito amigos. Eram colegas de caçadas nas Macambiras, eram companheiros nos forrós que, na época, chamavam samba, quando era de cunho popular, e de baile, quando era de cunho social. 
Também eles se encontravam com outros amigos, na casa do Antonio Cândido,  - colono de meu  pai - nos fins de tardes para um jogo de cartas, onde jogavam três setes, bisca sete e meio e outros; no víspora, eles rifavam queijos e  outras coisas.
Vou chamá-los de tios;  pois o Vicente Lucinda era realmente meu tio, e o Gonçalo Doroteu, apesar de não;  todos o chamavam de Tigonçalinho. Era assim que eram chamados todos os mais velhos em minha época. 
Os dois tinham mais um motivo para serem amigos, o Tigonçalinho era padrinho de um filho do Tio Vicente. Eram compadres.
Em 1952, os filhos do Tigonçalinho, que já moravam no Rio de Janeiro, compraram um sítio no município de Nova Iguaçu, no estado do Rio de Janeiro e levaram ele e a família para morar lá. Os filhos do Tigonçalinho já haviam casado, quase todos, portanto sua família se compunha agora da esposa e uma filha excepcional.
Lá neste sítio, no lugar chamado Ambaí, os filhos dele construíram um pedaço dos Morrinhos, inclusive com uma casa de farinha, coisa inteiramente desconhecida no lugar.
Em 1954, havia chagado ao Rio de Janeiro, vindo  do Ceará, viera para este sítio uma moça da família da namorada de um dos filhos do Tigonçalinho. 
Como a colônia do pessoal dos Morrinhos naquela ocasião ainda era pequena e que a saudade da terra natal era muito grande, a gente arrumava sempre algum motivo para nos reunirmos e, consequentemente, falar das coisas da terra alencarina tão distante.
Tínhamos bom motivo, promoveu-se um tipo de festa-americana, em que todos se cotizava, contribuíam com alguma coisa e fazíamos a festa. 
Eu tinha apenas 16 anos e muita saudade das noites serranas lá do Ceará, também estive lá. Na época, eu não bebia nada, mas houve muita bebida.
Tigonçalinho tomou algumas cervejas e ficou bastante alegre e, como eu sempre digo, as pessoas mais sinceras e honestas do Mundo, são os bêbados e os loucos. Tigonçalinho conversando comigo me disse:
- Amadeu, eu tive em sua família meus melhores amigos. Destaco o compadre Vicente Lucinda. 
E me contou a seguinte história. 
- Uma vez, nós em uma caçada na Macambira, no lugar chamado Tranzual, eu tive uma isolação muito forte. Nossa água havia acabado e eu desmaiei de sede. 
O compadre Vicente Lucinda me colocou nos ombros e me transportou por mais de uma légua até que encontrássemos água. 
Sem coragem, a força, o amor e principalmente a presença de espírito dele, eu teria morrido. Devo-te esta, compadre Vicente Lucinda!
Fiquei feliz com a história feliz, porque o compadre Vicente Lucinda era meu tio.
Quando cheguei ao Ceará em conversa com meu tio, contei-lhe esta história. Tio Vicente disse-me:
- Meu sobrinho, o compadre Gonçalinho está entre meus melhores amigos. Para que esta amizade seja completa, só falta uma coisa. Então lhe perguntei qual era esta coisa. Ele então me disse:
- É que um porco dele passe no meu quintal para eu dar-lhe um tiro e matar-lhe. 
- Tio, mas que história mais besta! Não estou entendendo nada...
- É que apesar desta amizade tão grande, um dia, quando um porco meu passou em seu quintal, ele o matou. Nunca discutimos sobre este assunto. No entanto, no dia que um porco dele passar no meu quintal, eu mato, independente dele estar presente ou não.
Tigonçalinho morreu anos depois no Rio de Janeiro e Tio Vicente no Ceará. Nunca mais se viram, mas a amizade deste dois amigos foi eterna, nem mesmo esse incidente maculou aquela amizade. 
Do livro: “O Anjo da Noite e Outros Contos” de Amadeu Lucinda. ©

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