ACABAR COM O BAILE
Acabar com festas, baile, forró ou outros
divertimentos, no Nordeste, era
muito freqüente. Tinham certos elementos que tinham prazer nessa prática.
O nosso
Gonzagão mencionou isso muitas vezes: “No Forró de Mané Vito”, “O Forró no
Escuro”, e outros. Também o Jacksom do Pamdeiro, em “Forró em Limoeiro”, “Cabo
Tenório”, entre outros.
Acabava-se o baile de várias formas: embebedando-se o
sanfoneiro, jogando pimenta malagueta no salão, apagando-se o lampião.
Porém, a maneira mais comum e freqüente era
formando-se uma briga. As mulheres corriam, os homens brigavam, e… sem mulher
não existe festa.
Os motivos que levavam a esse ato extremo eram muitos:
a namorada que lhe dera um fora, o trocou por outro, sua posição social que não
lhe permitia estar ali. Era muito grande o preconceito: cor da pele, citação
econômica, inveja e muitos outros. O arruaceiro que se dispunha a isso, antes,
enfiava o pé na jaca – bebia muita cachaça, para depois culpar a marvada.
Nos Morrinhos, esses maus-elementos não tinham vez,
não se criavam. Muitos tentaram, porém sem êxito, mesmo sendo esses arruaceiros
acostumados a acabarem festas em outros lugares, ali não dava. Naquele lugar
havia ordem, havia respeito e eles sabiam disso. Quando suas memórias falhavam,
esqueciam e pagavam p`ra ver, eram colocados em seus devidos lugares.
Eu tinha chegado do Rio de Janeiro e encontrei morando
nos Morrinhos uma família que eu não
a conhecia. Era um velho amigo de infância de meu pai, que havia comprado
algumas terras, uma casa, um açougue e uma bodega, e vieram morar lá. Era Seu
Abraão.
Morrinhos sempre foi um lugar muito acolhedor. O Sr.
Abraão Araújo era muito educado e simpático, assim como todos de sua família. O
povo do lugar os recebeu de braços abertos. É próprio daquela gente eles se
sentiram à vontade, queridos e respeitados por todos. Como para aquela família
eu era um estranho, pois não morava no lugar quando eles chegaram, resolvemos
eu, o Nilo filho da família mencionada e o Pedro Barbosa meu primo fazermos uma festa – um baile – para selar a
amizade com aqueles novos amigos.
Contratamos uma orquestra – não me lembro, se foi o “Chico
Borge”, ou o “Zé Vital”. Marcamos a data, mandamos convites às famílias, enfim
chegou o dia da festa. Organizamos tudo. Ao lado do prédio foi montado um
botequim, pois a região é muito fria, e muitos que iam apenas para manter a
segurança ficavam no terreiro, e, de vez em quando, tinham que queimar os
dentes – com a marvada. Do lado
posterior da casa, protegida do vento, ficava a barraca da Virgina de Ferro,
vendendo comida, com um peru à cabidela que ninguém resistia. Eram vendidos
pratos feitos, não era preço único, o recheio de cada prato dependia de quanto
você pagava. Tinha outras bancas que vendiam café, tapiocas bolos etc.
Em uma janela da casa, improvisamos o caixa, ali se
pagava a cota (a entrada), era esse o nome do ingresso, somente os cavalheiros
pagavam. Na porta da entrada, estavam duas moças e um rapaz recebendo os
convidados, a esses os cavalheiros entregavam o ingresso e recebiam um lacinho de fitas pregado na lapela com um
alfinete de segurança, que agente o chamava de broche. Esse era o comprovante
de que já havia pagado.
Foi ai que apareceu o nosso personagem, aquele que
viera para acabar com aquela festa. Era o Rafael Luzia. Ele falou aos porteiros
que precisava entrar apenas para dar um recado a alguém da orquestra, mas, que
não iria dançar. Porém, logo que entrou no salão convidou uma dama e saiu dançando. O que na verdade ele não queria
era pagar, viera com a única intenção de criar confusão.
Fui avisado, o procurei e o convenci que saísse do
salão e somente voltasse depois de pagar a cota. Ele entendeu nosso recado e
saiu.
Pagou a cota e entrou, só que dessa vez não para
dançar, mais sim para acabar com o baile. Não mediu conseqüências, e isso foi
um ato impensado, pois ele estava nos Morrinhos.
Ele já estava embriagado e foi direto à orquestra,
usando de uma faca furou e rasgou o
bombo. Tomamos-lhe a faca, foi lhe dado um sacode e o colocamos para fora do
salão.
Aconteceu uma coisa inexplicável, houve um histerismo
coletivo e a briga se generalizou.
Eram dois salões e tinha brigas para todos os lados,
isso nos dois salões. Quando conseguia controlar uma, surgiam duas, três ou
mais; era caboclo puxando faca, outros dando socos e muitos gritos, mulheres
correndo, situação aparentemente incontrolável.
Foi quando entrou no salão o dono da casa – Seu Abraão
– e disse: “Isso aqui virou um pandemônio, esse lugar é lugar de respeito, isso
aqui é uma casa de família! Acabou, não tem mais festa!” Foi nesse momento que,
vindo de uma viagem, entrou no salão, Seu Antônio Lucinda – meu pai – e ouvindo
atentamente tudo que o seu amigo dizia, pediu-lhe a palavra, no que foi
atendido.
Falou ele em alto e bom tom: “Não acabou a festa
pessoal”. E, virando-se para o Seu Abraão, falou: “Compadre Abraão! A casa é
sua, porém a festa é nossa, se você não permite que a festa continue em sua
casa, mando a orquestra para o
terreiro e também os dançarinos e a festa vai até de manhã. Aqui nos Morrinhos
nunca alguém de fora acabou festa, e não vai ser desta vez; o que acabaram
agora foram as brigas, duvido que alguém se atreva”. E, olhando para mim,
disse: “Meu filho, você já tem o dinheiro da orquestra, se for negativa a
resposta eu pago a mesma”. Seu Abraão retrucou-lhe dizendo: “Compadre, a casa é
sua”. A festa recomeçou e, rolou até o sol raiar, não houve mais uma discussão.
Do livro: “Histórias nos Morrinhos” de Amadeu Lucinda.
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