quarta-feira, 30 de abril de 2014

sexta-feira, 26 de setembro de 2008


JOÃO PAULO I, MORTE E MISTÉRIO NO VATICANO


Vaticano, 26 de agosto de 1978, vinte dias após a morte do papa Paulo VI, os cardeais reunidos em conclave na Capela Sistina, votam o nome de um novo papa. Os votos são contados e queimados, formando uma fumaça branca. “Habemus Papam!” (Temos Papa), anunciava o deão. Na varanda principal aparecia Albino Luciani, já feito sumo sacerdote, com o seu sorriso peculiar no rosto, dando a sua benção ao mundo católico.
Com uma simplicidade secular, Albino Luciani recusou a cerimônia formal da coroação, abdicando da tiara (coroa pontifical) e da entronização papal, fato inusitado desde Clemente V, papa do início do século XIV. Em homenagem aos seus antecessores, os papas João XXIII e Paulo VI, Luciani adoto o nome de João Paulo I, sendo o primeiro papa a ter nome duplo. Conta-se que o patriarca de Veneza, ao ser eleito papa, mostrou-se incrédulo diante do inusitado, tendo declinado à missão, mas que teria sido convencido pelo cardeal Johan Wildebrands, que lhe teria dito: “Coragem! O Senhor dá o fardo, mas também a força para carregá-lo.” O novo papa declararia, logo após os resultados do conclave: “Quando cheguei ontem de manhã, fui à Capela Sistina para votar tranqüilamente. Eu nunca teria imaginado o que estava prestes a acontecer."
João Paulo I, com o seu jeito carismático, ficou conhecido como o “Papa Sorriso” ou “Papa Sorridente”. Veio disposto a fazer mudanças dentro das estruturas de uma das instituições mais poderosas da humanidade. João Paulo I teria dito aos secretários mais próximos as suas intenções peremptórias: rever a estrutura da Cúria, com a publicação de várias cartas pastorais sobre a colegialidade dos bispos, rever as condições das mulheres na Igreja, a pobreza no mundo e a unidade da Igreja; além de acabar com o negócio da IOR (Instituto para Obras Religiosas), em especial o seu casamento com Banco Ambrosiano, exigindo transparência, mesmo em frente aos maçons e à máfia.
29 de setembro de 1978. 33 dias após João Paulo I ter sido eleito o sumo sacerdote da igreja católica, subitamente o Vaticano declarava ao mundo: o papa estava morto, por causa de um enfarte agudo do miocárdio. O sorriso do rosto de João Paulo I esvaiu-se, assim como a sua vida. Uma morte envolta em mistérios e circunstâncias jamais explicadas, o que levou à suspeita de assassínio. 30 anos passados, a pergunta continua a ser feita, João Paulo I, o Papa Sorriso, teria morrido naturalmente ou teria sido assassinado?

Máfia e Maçonaria nos Negócios do Banco do Vaticano

Esta manhã, 29 de setembro de 1978, pelas 05h30, o secretário particular do Papa, não tendo encontrado o Santo Padre na capela, como de costume, procurou-o no seu quarto e encontrou-o morto na cama, com a luz acesa, como se ainda estivesse a ler. O médico, Dr. Renato Buzzonetti, que acudiu imediatamente, constatou a sua morte, ocorrida provavelmente pelas 23h00 de 28 de setembro, devido a um enfarte agudo do miocárdio. "
O anúncio oficial da morte de João Paulo I foi feito em cima de mentiras e ocultações de fatos que por si só eram bastante para que se abrissem suspeitas de assassínio, falta de transparência e um terrível mal-estar diante do sucedido. Aos poucos, algumas verdades foram reveladas, transformando o óbito do papa em um poço de contradições até hoje não esclarecidas.
Mas o que levaria um papa a ser assassinado 33 dias após a sua eleição? O que realmente estava envolvido no futuro pontificado de João Paulo I que pudesse causar tanta preocupação e medo? O fato que mais pesa sobre um suposto assassínio do sumo pontífice seria a sua determinação em limpar a corrupção que se abatera sobre o Banco do Vaticano, o IOR. Sobre os negócios ilícitos da instituição financeira e a posição da igreja em relação a ela, teria dito:
Aquela que se chama sede de Pedro e que se diz também santa, não pode degradar-se até a ponto de misturar as suas atividades financeiras com as dos banqueiros, para os quais a única lei é o lucro e onde se exerce a usura, permitida e aceita, mas ao fim e ao cabo usura. Perdemos o sentido da pobreza evangélica; fizemos nossas as regras do mundo.
Para limpar a corrupção do IOR, João Paulo I tinha como objetivo destituir o seu poderoso presidente, Paul Marcinkus, conhecido como o “banqueiro de Deus”. A participação da máfia e da loja maçônica italiana Propaganda Due (P-2) nas finanças do IOR geraram vários inquéritos e assassínios dos envolvidos no decorrer dos anos, sem jamais ficar esclarecida. João Paulo I estava disposto a tomar uma posição diante de todos perante a maçonaria e a máfia. A esta oposição, teria dito ao secretário de Estado do Vaticano, Jean Villot, o qual desejava substituir por Johan Wildebrands: “São duas (máfia e P-2) potências do mal. Devemos enfrentar com coragem as suas ações perversas.” Com esta atitude, estaria selado o destino de João Paulo I, ou seja, o seu assassínio.
As suspeitas aumentaram, quando foi vazada a informação de que no quarto de João Paulo I, sobre a sua mesa de trabalho, teria sido encontrada uma lista com nomes de supostos maçons do Vaticano. Esta lista teria sido elaborada pelo jornalista Mino Pecorelli, membro arrependido da P-2, que seria assassinado em 1979. Nesta lista constariam os nomes de Jean Villot e Paul Marcinkus. A corrupção levaria à falência fraudulenta do Banco Ambrosiano, em 1982, do qual o IOR era o principal acionista.

Morte pela Ingestão em Excesso de um Vasodilatador

Deixando os suspeitos, se mergulharmos nas contradições oficiais sobre a morte de João Paulo I e as revelações que se fizeram através dos anos, vamos encontrar a sensação explícita de que um grande mistério foi mantido em preterimento à memória do papa.
A verdadeira causa da morte do Papa Sorriso, enfarte do miocárdio ou assassínio, teria sido facilmente esclarecida com uma simples autópsia ao corpo. Oficialmente o Vaticano negou-se a fazê-la, mantendo a versão da inviolabilidade do corpo. Em 1987, o jornalista Giovanni Gennari, amigo pessoal de Albino Luciani, declararia em um artigo publicado, que teria sido feita uma autópsia secreta ao cadáver do papa, que se teria revelado a ingestão de uma fortíssima dose de um vasodilatador a verdadeira causa da morte. A droga teria sido receitada por telefone, pelo médico pessoal do papa em Veneza, o Dr. Antonio Da Ros. Após o telefonema do médico, o papa teria feito abrir a farmácia do Vaticano às 22h30. Daqui nascia a teoria de que o sumo pontífice enganara-se e tomado uma dose excessiva do remédio. 15 anos depois da morte de João Paulo I, em 1993, Antonio Da Ros, declarou à revista “30 Giorni”, que o seu telefonema ao papa teria sido de rotina, não lhe receitando remédio algum, pois o tinha visto cinco dias antes e a sua saúde era excelente.
Ao contrário do que declarou Antonio Da Ros sobre a excelente saúde do papa, na ocasião o Vaticano tentou passar para a opinião pública que ele tinha uma saúde debilitada e muito frágil. Diego Lorenzi, secretário do papa e quem revelou que uma autópsia secreta teria sido feita com um pedaço retirado do corpo, provavelmente as vísceras; também rebateu a teoria da fragilidade da saúde do papa, confirmando de que durante os 26 meses que esteve com ele, jamais ficou doente ou apresentou qualquer problema de saúde, a não ser que tinha uma pressão arterial um pouco baixa. Também funcionários da farmácia do Vaticano declarariam que remédio algum tinha saído dali para João Paulo I durante o curto tempo do seu pontificado.
Se a morte de João Paulo I se deu por ingestão de um vasodilatador e não por um enfarte do miocárdio, e se não foi receitado remédio algum por seu médico, tão pouco ele saiu da farmácia do Vaticano, mais uma vez surge a sombra da dúvida de quem e em que circunstâncias teria administrado a droga a ele.

Contradições e Mentiras Oficiais
Mais algumas contradições surgiram quanto ao relato oficial: quem encontrou o corpo do papa? Em que posição foi encontrado e a que horas morreu de fato? Estas três perguntas foram respondidas mais tarde, pelo testemunho revelador da irmã Vicenza Taffarel, freira que cuidava de João Paulo I.
Na versão oficial do Vaticano, o bispo John Magee teria sido quem encontrara o papa morto em seus aposentos, e que na ocasião trazia entre os dedos “A Imitação de Cristo” e outras coisas, apontamentos, homilias e discursos; teria morrido por volta das 23h00 do dia 28 de setembro.
Em 1988, a verdade quanto ao descobrimento do cadáver veio à tona. John Magee reconheceu não ter sido ele, mas a irmã Vicenza Taffarel, quem encontrara o papa morto. A irmã Vicenza teria sido proibida pela secretaria do Estado do Vaticano a não revelar a verdade. Teria vivido atormentada o resto dos seus dias por manter esta mentira. Em 1983, no momento da sua morte, a freira sentiu-se libertada da imposição, revelando a verdade a familiares. Irmã Vicenza revelou que encontrara o papa sentado na cama, com os óculos postos e alguns papéis na mão. Trazia a cabeça tombada para a direita e uma das pernas estendia sobre a cama. Trazia ainda, um leve sorriso no rosto e a testa morna. Foi a irmã Vicenza, ajudada por outra freira, quem lavou o cadáver, elas constataram que as costas estavam ainda mornas. Este fato leva à dedução de que a morte teria acontecido de madrugada, entre às 2h00 e às 4h00 do dia 29 de setembro. O fato de estar com uma perna sobre a cama, sem vestígios de luta contra a morte, demonstra que não é um quadro típico de enfarte do miocárdio.
Outras contradições viriam, como o que estaria a ler o papa na hora da sua morte. Dom Germano Pattaro, conselheiro em Roma de João Paulo I, afirmou que não era “A Imitação de Cristo” ou homilias, mas anotações sobre uma conversa que o papa teria tido com o secretário de Estado Jean Villot, na última tarde da sua vida. Teria sido nesta conversa que o papa revelara a Villot as mudanças imediatas e revolucionárias que pretendia fazer, mudanças essas que o secretário teria refutado, demonstrando ser contrário a elas.

O Silêncio da Verdade nos Ecos da História

Três décadas depois da sua morte, quem foi este papa que se sentou na cadeira de Pedro por apenas 33 dias? Que mistérios envolveram esta morte? Numa imagem deturpada pelo Vaticano, a de homem fisicamente debilitado e de saúde frágil, aos poucos, através dos anos e de investigações de homens como o jornalista britânico David Yallop, que escreveu “Em Nome de Deus” (1982), e do sacerdote Jesús López Sáez, autor de “Se Pedirá Cuenta” e muitos escritos sobre a morte do papa, considerando-a um assassínio; surge-nos a imagem de um papa decidido, afável e de caráter revolucionário dentro das estruturas de uma igreja constantemente questionava pela evolução das civilizações cristãs.
Albino Luciani nasceu em 17 de outubro de 1912, cinco anos antes da revolução Bolchevique. Nasceu em Belluno, região de Veneto, na Itália. Oriundo de uma família humilde, assistiu às dificuldades do pai, que diante da miséria causada pela Primeira Guerra Mundial, foi obrigado a migrar para diversos países vizinhos para trazer o sustento da família. Aos 11 anos de idade entrou para o seminário, vindo a ordenar-se sacerdote a 7 de julho de 1935. Em 1954 foi nomeado vigário geral de diocese e, quatro anos depois, bispo de Vittorio Veneto. Em 15 de dezembro de 1969, Paulo VI nomeou-o Patriarca de Veneza, e três anos mais tarde, cardeal. Assim permaneceu até a sua eleição para papa, em agosto de 1978, poucos dias antes de completar 65 anos. Não viveria suficientemente para mostrar a verdadeira face do seu pontificado. Dele ficou para o mundo a grandiosidade do seu sorriso, que lhe valeu a alcunha de Papa Sorriso e um grande mistério sobre a sua morte, que urge em ser desvendado. A história e o Vaticano devem a João Paulo I este esclarecimento, seja qual for a verdade. A este respeito o cardeal brasileiro Aloísio Lorscheider teve a coragem de falar há uma década atrás: “As suspeitas continuam no nosso coração como uma sombra amarga, como uma pergunta à qual não foi dada resposta.”Mesmo depois de três décadas da morte suspeita de João Paulo I, o assunto, apesar das especulações e das várias investigações por conta de tantas pessoas, o silêncio ainda é absoluto dentro do Vaticano. E a história continua a dever a reparação da verdade ao Papa Sorriso e ao que lhe sucedeu de fato, naquela tumultuada madrugada de 28 para 29 de setembro. Só o tempo fará os acertos com a história e com este silêncio aparentemente perpétuo.

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