Um pouco de história
_________
(CHRONICA DO IPU)
por
Eusebio de Souza
A história do Ipu é muito pouco conhecida... Quasi nada se tem escripto sobre a tradicional cidade sertaneja, pilherica ou ironicamente classificada, por um de seus filhos, como pacata e burguesa.
A história de nossos dias não registra, em suas páginas, facto algum que possa attestar o gráo de desenvolvimento dessa importante urbs dos sertões do norte do Estado do Ceará, occupando, sinão posição primaria, pelo menos vantajosa, no confronto que se fizer com as demais que compõem o vasto e riquissimo territorio cearense.
Caprichos, talvez daquelles que se occupam de investigar o passado.
Entretanto - ninguem o contestará - «o decantado recanto do Ceará , onde poisou o genio immortal do divino cantor de Iracema», tem a sua história cheia de desalentos e de glórias, um passado sanguinolento e complicado, dil-o um historiador.
Rememorar, pois, os episódios, investigando esse primitivo tempo de sua formação, é desejo de quem escreve estas linhas, corrigindo, (...)[1] virtudes, maiores do que o seu louvor, são a um tempo verdadeiros mananciaes de saudaveis e uteis ensinamentos para a Religião e para a história» - immolado em um dia ao pé do altar, «onde estava para offerecer a Deus o sacrifício do corpo e sangue de seu Filho, como effectivamente offereceu e consagrou o do seu proprio corpo e sangue, começando aquella acção sacerdotal e consummando-a o sacrifício.
Isto succedia no ano de 1668. Somente no ano de 1694 é que se tem notícia dos trabalhos de D. Joanna Mimosa.
A história nessa parte é de um silêncio imperdoavel, duvidosa, difficultando qualquer corollario.
D'ahi o dizer o illustrado auctor de Algumas Origens do Ceará, o sr. Antônio Bezerra
«Quem investiga os factos primitivos da nossa historia nota logo ao fim de pouco tempo uma confusão de successos, narrações sem nexo, sem criterio, datas que diviam estar depois, e que estão antes dos acontecimentos respectivos, personagens que não tiveram a mínima consideração dos seus contemporaneos, não mereceram attenção alguma do governo, não tratam delles, nem de leve, os documentos do seu tempo, e, no entanto, apparecem como conquistadores, homens notaveis, e cercados os seus tumulos de verdadeiros prestigios».[2]
D. Joanna Mimosa está nesse caso. Passa-se um periodo para mais de quatro decennios sem que se tenha noticia dos serviços dessa denodada senhora.
Não se póde affirmar a épocha do começo da sua catechese, sabendo unicamente que, pelo dec... do anno de 1694, julgava a heroina completa a sua obra, conclusão que se tira da data em que lhe era feita a doação real, pelo governo de Portugal, em reconhecimento dos serviços prestados na catechese. Também silenciou o passado o tempo da duração dos trabalhos de d. Joanna Mimosa, parecendo, entretanto, não ter sido elle curto, talvez como consequencia ainda dos effeitos das missões anteriores aportadas a Ibiapaba, tendo como superior o famoso Padre Antonio Vieira.
Desta ou daquella fórma, porém ignorando-se as épochas do começo e duração dessa catechese, o facto é que esses serviços, embóra não terminados, de certo módo facilitaram a louvabilissima acção da terceira e ultima missão que chegava nas proximidades do logarejo.
Pode-se affirmar, sem medo de errar, que foi esse o ultimo trabalho catechista. Não há mais noticias do apparecimento de missionarios, cujos serviços, aliás, eram indispensaveis. Pouco a pouco, assistia-se a transicção da raça indígena, «a qual, à proporção que a civilização avançava, como pela mortalidade resultante da perseguição que lhe moviam os conquistadores, principalmente naquellas tribus mais ferozes e que difficilmente podia se approximar o valoroso trabalho daquelles martyres e denodados batalhadores».
Estava reservado, porém, que fossem os ultimos missionarios destinados a assignalar o primeiro marco na formação do povoado que viria constituir, seculos depois, o elo principal destas investigações: - a futurosa cidade do Ipu.
Com a farta mésse de estímulo e de força de vontade de que eram elles possuidores, cooperaram para a erecção da primeira capella dedicada ao M. S. Sebastião, sem patrimonio embóra, e sujeita á nova freguesia de N. S. dos Prazeres do Campo Grande, creada em 1759.
Essa capellinha, segundo a tradição - nem sempre a informação é segura, já disse alguem, maximé quando allude a factos remotíssimos de nossa historia - foi edificada em logar differente do actual da igreja-matriz, em terreno, porém, próximo às suas circumvisinhanças.
O povoado nascia. Já começando a sentir os effeitos da civilização, era formado um nucleo composto dos seus primeiros moradores, os quaes, homens do trabalho, congregados, constituiram um sitio de plantação com a denominação de Ipú, nome que, pouco tempo depois, veio definitivamente ter a sua confirmação no reconhecimento do novo povoado pelos poderes publicos.
Sobre a origem e significado do vocabulo Ipú, si bem que nada encontrassemos de positivo, em fonte segura, sabe-se que a denominação desse sitio nasceu da admiração que faziam os indígenas da queda que davam as águas das eminencias ao tôpo da serra, formando o ribeirão do Ipuçaba, e assim graphada em linguagem tupy: - ig - água e pú, palavra onomatopaica que quer dizer - quéda.
Outros querem que, etymologicamente, seja o vocabulo, contracção de ipohú - alagadiço, pantano, o que tem água: ou ipoçú - atoladiço ou sumidouro d'agua.
Há quem acredite ter nascido ainda esse nome da grande abundancia que se descobrio, nas immediações, de jalapa da terra ou batata de purga, do genero das convolvulaceas e que mais abunda na America Septentrional.
José de Alencar (Iracema pag. 201) diz que chamam ainda hoje no Ceará, com o nome de Ipú, certa quantidade de terra muito fértil, que fórma grandes coroas ou ilhas no meio dos taboleiros e sertões e é de preferencia procurada para a cultura. D'ahi se deriva, diz o grande cearense, o nome dessa comarca da província.
Etymologicamente está explicada a origem da palavra, na decomposição de suas raízes, e sua significação na linguagem dos nossos autóchtones.
Pela deficiencia, em absoluto, de dados pelos quaes se possa chegar a uma conclusão real sobre a origem e significação de qualquer palavra dos nossos primévos, acompanhamos a opinião daquelles que mais se approximam de tal maneira, que as vezes vão procurar raizes «em duas linguas, geralmente tidas por distinctas, o tupy e o guarany.
«Neste particular, porém, - servimo-nos das palavras de alguem - preferimos estar com a maioria que tende a ter memoria nas lettras patrias. Não existiram duas linguas; quando muito houve dialectos da lingua geral, falada na America Meridional.
«Toda a distincção hodierna procede de influencias orthoépicas.
«A lingua dos nossos autóchtones foi graphada ao norte por portuguezes, e ao sul por hespanhóes, entre os quaes o valor prosodico das consoantes não era o mesmo.
[1]Temos neste ponto a ausência de duas folhas. Não me parecem ter sido arrancadas propositalmente. O que é mais provável é que tenham se destacado e perdido do volume dada o péssimo estado de conservação do mesmo.
[2]Atente o leitor para o período - final do séc XIX ou início do XX - em que Antônio Bezerra escreveu o citado livro. É este o período em que o Positivismo Histórico está a atingir o seu auge e Antônio Bezerra, como homem do seu tempo, se mostra grandemente influenciado pela teoria da História em voga na época.
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(CHRONICA DO IPU)
por
Eusebio de Souza
A história do Ipu é muito pouco conhecida... Quasi nada se tem escripto sobre a tradicional cidade sertaneja, pilherica ou ironicamente classificada, por um de seus filhos, como pacata e burguesa.
A história de nossos dias não registra, em suas páginas, facto algum que possa attestar o gráo de desenvolvimento dessa importante urbs dos sertões do norte do Estado do Ceará, occupando, sinão posição primaria, pelo menos vantajosa, no confronto que se fizer com as demais que compõem o vasto e riquissimo territorio cearense.
Caprichos, talvez daquelles que se occupam de investigar o passado.
Entretanto - ninguem o contestará - «o decantado recanto do Ceará , onde poisou o genio immortal do divino cantor de Iracema», tem a sua história cheia de desalentos e de glórias, um passado sanguinolento e complicado, dil-o um historiador.
Rememorar, pois, os episódios, investigando esse primitivo tempo de sua formação, é desejo de quem escreve estas linhas, corrigindo, (...)[1] virtudes, maiores do que o seu louvor, são a um tempo verdadeiros mananciaes de saudaveis e uteis ensinamentos para a Religião e para a história» - immolado em um dia ao pé do altar, «onde estava para offerecer a Deus o sacrifício do corpo e sangue de seu Filho, como effectivamente offereceu e consagrou o do seu proprio corpo e sangue, começando aquella acção sacerdotal e consummando-a o sacrifício.
Isto succedia no ano de 1668. Somente no ano de 1694 é que se tem notícia dos trabalhos de D. Joanna Mimosa.
A história nessa parte é de um silêncio imperdoavel, duvidosa, difficultando qualquer corollario.
D'ahi o dizer o illustrado auctor de Algumas Origens do Ceará, o sr. Antônio Bezerra
«Quem investiga os factos primitivos da nossa historia nota logo ao fim de pouco tempo uma confusão de successos, narrações sem nexo, sem criterio, datas que diviam estar depois, e que estão antes dos acontecimentos respectivos, personagens que não tiveram a mínima consideração dos seus contemporaneos, não mereceram attenção alguma do governo, não tratam delles, nem de leve, os documentos do seu tempo, e, no entanto, apparecem como conquistadores, homens notaveis, e cercados os seus tumulos de verdadeiros prestigios».[2]
D. Joanna Mimosa está nesse caso. Passa-se um periodo para mais de quatro decennios sem que se tenha noticia dos serviços dessa denodada senhora.
Não se póde affirmar a épocha do começo da sua catechese, sabendo unicamente que, pelo dec... do anno de 1694, julgava a heroina completa a sua obra, conclusão que se tira da data em que lhe era feita a doação real, pelo governo de Portugal, em reconhecimento dos serviços prestados na catechese. Também silenciou o passado o tempo da duração dos trabalhos de d. Joanna Mimosa, parecendo, entretanto, não ter sido elle curto, talvez como consequencia ainda dos effeitos das missões anteriores aportadas a Ibiapaba, tendo como superior o famoso Padre Antonio Vieira.
Desta ou daquella fórma, porém ignorando-se as épochas do começo e duração dessa catechese, o facto é que esses serviços, embóra não terminados, de certo módo facilitaram a louvabilissima acção da terceira e ultima missão que chegava nas proximidades do logarejo.
Pode-se affirmar, sem medo de errar, que foi esse o ultimo trabalho catechista. Não há mais noticias do apparecimento de missionarios, cujos serviços, aliás, eram indispensaveis. Pouco a pouco, assistia-se a transicção da raça indígena, «a qual, à proporção que a civilização avançava, como pela mortalidade resultante da perseguição que lhe moviam os conquistadores, principalmente naquellas tribus mais ferozes e que difficilmente podia se approximar o valoroso trabalho daquelles martyres e denodados batalhadores».
Estava reservado, porém, que fossem os ultimos missionarios destinados a assignalar o primeiro marco na formação do povoado que viria constituir, seculos depois, o elo principal destas investigações: - a futurosa cidade do Ipu.
Com a farta mésse de estímulo e de força de vontade de que eram elles possuidores, cooperaram para a erecção da primeira capella dedicada ao M. S. Sebastião, sem patrimonio embóra, e sujeita á nova freguesia de N. S. dos Prazeres do Campo Grande, creada em 1759.
Essa capellinha, segundo a tradição - nem sempre a informação é segura, já disse alguem, maximé quando allude a factos remotíssimos de nossa historia - foi edificada em logar differente do actual da igreja-matriz, em terreno, porém, próximo às suas circumvisinhanças.
O povoado nascia. Já começando a sentir os effeitos da civilização, era formado um nucleo composto dos seus primeiros moradores, os quaes, homens do trabalho, congregados, constituiram um sitio de plantação com a denominação de Ipú, nome que, pouco tempo depois, veio definitivamente ter a sua confirmação no reconhecimento do novo povoado pelos poderes publicos.
Sobre a origem e significado do vocabulo Ipú, si bem que nada encontrassemos de positivo, em fonte segura, sabe-se que a denominação desse sitio nasceu da admiração que faziam os indígenas da queda que davam as águas das eminencias ao tôpo da serra, formando o ribeirão do Ipuçaba, e assim graphada em linguagem tupy: - ig - água e pú, palavra onomatopaica que quer dizer - quéda.
Outros querem que, etymologicamente, seja o vocabulo, contracção de ipohú - alagadiço, pantano, o que tem água: ou ipoçú - atoladiço ou sumidouro d'agua.
Há quem acredite ter nascido ainda esse nome da grande abundancia que se descobrio, nas immediações, de jalapa da terra ou batata de purga, do genero das convolvulaceas e que mais abunda na America Septentrional.
José de Alencar (Iracema pag. 201) diz que chamam ainda hoje no Ceará, com o nome de Ipú, certa quantidade de terra muito fértil, que fórma grandes coroas ou ilhas no meio dos taboleiros e sertões e é de preferencia procurada para a cultura. D'ahi se deriva, diz o grande cearense, o nome dessa comarca da província.
Etymologicamente está explicada a origem da palavra, na decomposição de suas raízes, e sua significação na linguagem dos nossos autóchtones.
Pela deficiencia, em absoluto, de dados pelos quaes se possa chegar a uma conclusão real sobre a origem e significação de qualquer palavra dos nossos primévos, acompanhamos a opinião daquelles que mais se approximam de tal maneira, que as vezes vão procurar raizes «em duas linguas, geralmente tidas por distinctas, o tupy e o guarany.
«Neste particular, porém, - servimo-nos das palavras de alguem - preferimos estar com a maioria que tende a ter memoria nas lettras patrias. Não existiram duas linguas; quando muito houve dialectos da lingua geral, falada na America Meridional.
«Toda a distincção hodierna procede de influencias orthoépicas.
«A lingua dos nossos autóchtones foi graphada ao norte por portuguezes, e ao sul por hespanhóes, entre os quaes o valor prosodico das consoantes não era o mesmo.
[1]Temos neste ponto a ausência de duas folhas. Não me parecem ter sido arrancadas propositalmente. O que é mais provável é que tenham se destacado e perdido do volume dada o péssimo estado de conservação do mesmo.
[2]Atente o leitor para o período - final do séc XIX ou início do XX - em que Antônio Bezerra escreveu o citado livro. É este o período em que o Positivismo Histórico está a atingir o seu auge e Antônio Bezerra, como homem do seu tempo, se mostra grandemente influenciado pela teoria da História em voga na época.
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