Aninha Martins Tempo que foge!
Ricardo Gondim
Contei
meus anos e descobri que terei menos tempo para viver daqui para frente
do que já vivi até agora. Sinto-me como aquele menino que ganhou uma
bacia de jabuticabas. As primeiras, ele chupou displicente, mas
percebendo que faltam poucas, rói o caroço.
Já não
tenho tempo para lidar com mediocridades. Não quero estar em reuniões
onde desfilam egos inflados. Não tolero gabolices. Inquieto-me com
invejosos tentando destruir quem eles admiram, cobiçando seus lugares,
talentos e sorte.
Já não tenho tempo para projetos
megalomaníacos. Não participarei de conferências que estabelecem prazos
fixos para reverter a miséria do mundo. Não vou mais a workshops onde se
ensina como converter milhões usando uma fórmula de poucos pontos. Não
quero que me convidem para eventos de um fim-de-semana com a proposta de
abalar o milênio.
Já não tenho tempo para reuniões
intermináveis para discutir estatutos, normas, procedimentos
parlamentares e regimentos internos. Não gosto de assembléias ordinárias
em que as organizações procuram se proteger e perpetuar através de
infindáveis detalhes organizacionais.
Já não tenho
tempo para administrar melindres de pessoas, que apesar da idade
cronológica, são imaturos. Não quero ver os ponteiros do relógio
avançando em reuniões de “confrontação”, onde “tiramos fatos à limpo”.
Detesto fazer acareação de desafetos que brigaram pelo majestoso cargo
de secretário do coral.
Já não tenho tempo para
debater vírgulas, detalhes gramaticais sutis, ou sobre as diferentes
traduções da Bíblia. Não quero ficar explicando porque gosto da Nova
Versão Internacional das Escrituras, só porque há um grupo que a
considera herética. Minha resposta será curta e delicada: – Gosto, e
ponto final! Lembrei-me agora de Mário de Andrade que afirmou: “As
pessoas não debatem conteúdos, apenas os rótulos”. Meu tempo tornou-se
escasso para debater rótulos.
Já não tenho tempo
para ficar dando explicação aos medianos se estou ou não perdendo a fé,
porque admiro a poesia do Chico Buarque e do Vinicius de Moraes; a voz
da Maria Bethânia; os livros de Machado de Assis, Thomas Mann, Ernest
Hemingway e José Lins do Rego.
Sem muitas
jabuticabas na bacia, quero viver ao lado de gente humana, muito humana;
que sabe rir de seus tropeços, não se encanta com triunfos, não se
considera eleita para a “última hora”; não foge de sua mortalidade,
defende a dignidade dos marginalizados, e deseja andar humildemente com
Deus. Caminhar perto dessas pessoas nunca será perda de tempo.
Soli Deo Gloria.
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