Nova luz sobre Delmiro Gouveia - Quase um século após o misterioso crime,
pesquisador apresenta em livro versão inédita para a morte do homem que
revolucionou a indústria no Nordeste.
Por Wagner Sarmento – Jornal do Comércio -PE
A
história não é produto acabado. Está sempre sujeita a revisões, releituras,
reviravoltas. A morte do empresário Delmiro Gouveia, pioneiro da industrialização
do Nordeste e construtor da primeira usina hidrelétrica brasileira, assassinado
em 10 de outubro de 1917, nunca foi ponto final. Reza a tradição popular que,
após ser alvejado na cadeira de balanço do alpendre de seu chalé, Delmiro
indagou, antes de morrer: ”Quem foi o cabra que me matou?”.
Delmiro
lendo jornal em sua cadeira, tal qual quando foi morto
A pergunta atravessou décadas sem resposta. Entre silêncios e murmúrios,
um crime sem solução, mais um, retrato de um país onde a injustiça é, muitas
vezes, o único elemento indubitável. Mas o manto do mistério pode ter sido
desvelado 94 anos depois.
Notícia
da morte de Delmiro em jornal potiguar
É o que garante o historiador baiano Gilmar Teixeira Santos, que
mergulhou no intrigante crime e lançou à luz fatos ocultados pelas biografias
anteriores. A investigação feita pelo pesquisador revela que o homicídio foi
uma grande trama arquitetada por falsos amigos e rivais do homem que anteviu o
Nordeste do futuro.
Teixeira
debruçou-se sobre inquéritos e reportagens
Os operários Róseo Morais do Nascimento e José Inácio Pia, conhecido
como Jacaré, haviam sido demitidos de uma das fábricas de Delmiro duas semanas
antes do crime. Pobres, foram presos e acabaram condenados pelo homicídio à
pena máxima de 30 anos. Jacaré fugiu duas vezes da cadeia e foi morto em 1924
pelo coronel José Lucena, mesmo homem que matou o pai de Lampião. Róseo cumpriu
15 anos de pena, foi solto por bom comportamento e morreu de velhice em 1979.
Em vida, nunca conseguiu se desfazer da pecha de assassino. Uma revisão
processual, porém, inocentou a dupla mais de meio século depois, em 1983, após
acreditar um álibi desprezado na época e segundo o qual ambos estavam em
Sergipe no dia em que Delmiro foi eliminado. Enterrava-se ali, naquela
absolvição póstuma, a principal versão sobre o crime.
Outra hipótese difundida alardeava que o assassinato teria sido
demandado pela Machine Cotton, empresa escocesa que havia perdido mercado com a
ascensão da Companhia Agro-Fabril Mercantil, criada em 1914 por Delmiro
Gouveia, a primeira na América do Sul a fabricar linhas para costura e fios
para malharia. O que reforçou a possibilidade foi o fato de a Machine ter
comprado a fábrica do empresário após sua morte e atirado todo o seu maquinário
de um penhasco no Rio São Francisco.
“Todos os biógrafos compraram essas ideias ventiladas logo após o
assassinato e ficaram repetindo isso. Ignoraram inclusive a revisão penal que
inocentou antigos culpados. Na verdade, essas falsas versões foram difundidas
pelos verdadeiros culpados para desviar o foco”, explica Teixeira, em
entrevista por telefone ao Jornal do Commercio.
Róseo
Morais e José Inácio Pia, o "Jacaré" Arquivo do autor não inclusa na
matéria original
O pesquisador começou a se debruçar sobre o crime sem resposta em 2008,
quando realizava um documentário sobre a Usina Hidrelétrica de Angiquinho, na
margem alagoana da cachoeira de Paulo Afonso, na Bahia, inaugurada por Delmiro
em 1913 e que servia para fornecer energia elétrica à fábrica de linha do
industrial e à vila erguida por ele na Pedra (AL), município hoje denominado
Delmiro Gouveia, em homenagem ao cearense. O trabalho fora encomendado pela
Fundação Delmiro Gouveia, que administra o sítio histórico.
Ao cascavilhar o acervo histórico sobre o personagem, Gilmar Teixeira
encontrou informações até então ignoradas pela historiografia de Delmiro.
Fotos, vídeos, cartas, inquéritos, livros, documentos, pertences e reportagens
antigas de quatro revistas e 14 jornais, incluindo o Jornal do Comercio, com
cerca de 30 matérias sobre o assunto. A pesquisa resultou no livro Quem matou
Delmiro Gouveia?, Obra que leva o leitor de volta à cena do crime e ao jogo de
interesses que levou à morte do pioneiro nordestino. Em 153 páginas, o autor
garante ter descascado uma dúvida secular.
O mentor do homicídio seria o italiano Lionello Iona, sócio e
administrador das empresas de Delmiro. Pouco antes de sua morte, o cearense fez
um testamento que colocava Iona como tutor da herança de seus três filhos, até
que eles completassem a maioridade. O europeu, que teria redigido o documento,
estava enfurecido com a recusa de Delmiro à proposta de compra da fábrica de
linhas feita pela Machine Cotton e estaria cansado das humilhações impostas
pelo sócio. “Delmiro era um homem à frente do seu tempo, muito inteligente, mas
não lia um documento. A família dele fez um escândalo na época, pois não
aceitava que Iona ficasse como tutor. Noé, o filho mais velho de Delmiro, só
conseguiu retomar o dinheiro aos 21 anos. Iona, então, voltou para a Itália
rico. Foi tanto recurso desviado que o contador do italiano abriu um banco logo
depois”, diz o historiador.
Lionello
Iona, o sócio
A gana pela vantagem financeira, segundo ele, colocou o sócio como autor
intelectual de um complô que envolveu cerca de dez pessoas, entre personagens
influentes e cangaceiros. Teixeira cita como partícipe a influente família
Torres, liderada pela baronesa Joana Vieira Sandes de Siqueira Torres, que se
via ameaçada pelo poder econômico e crescente influência política de Delmiro.
“Inclusive o juiz do caso era membro desta família e facilitou para que Róseo e
Jacaré levassem a culpa em vez dos verdadeiros responsáveis”, afirma.
O político José Gomes de Sá teria entrado na trama pelo fato de o
empresário apoiar seu maior inimigo, o coronel Aureliano Lero, que ganharia a
eleição para prefeito de Jatobá de Tacaratu, atual Petrolândia. “Além disso, Zé
Gomes trabalhava como fiscal de renda e foi delatado por Delmiro às autoridades
por receber suborno”, observa Teixeira. Outro cúmplice seria o coronel José
Rodrigues, de Piranhas (AL), latifundiário que se sentia desconfortável com a
presença de Delmiro, o qual atuava também na pecuária e vendia produtos
agrícolas a preços mais baixos que os convencionais.
Até Firmino Pereira, compadre de longa data de Delmiro Gouveia, é
listado pelo biógrafo Gilmar Teixeira como um dos envolvidos no crime. A filha
de capitão Firmino, como era conhecido na região, estaria difamada após ser
seduzida por Delmiro em uma viagem ao Recife? Seu genro lhe dizia que só se
casaria com a moça se o industrial fosse morto, e assim fez. De acordo com a
versão do pesquisador, é Firmino, cunhado de Zé Gomes, quem contrata os
cangaceiros que matarão seu amigo: Luís Padre e Sinhô Pereira, que foi o precursor
de Lampião no cangaço.
Sinhô
Pereira e o primo Luis Padre
Dois outros homens teriam dado cobertura à dupla no dia do homicídio a
mando de capitão Firmino. Seriam eles o fazendeiro Herculano Soares, que havia
jurado vingança depois de apanhar do empresário no meio da rua, e seu cunhado
Luiz dos Anjos. “Juntei as peças do quebra-cabeça. Delmiro tinha muitos
inimigos. O sucesso dele incomodava muita gente. Havia um barril de pólvora
pronto para explodir. Lionello Iona, seu sócio, só atiçou as outras pessoas.
Foi ele quem arquitetou o plano. Existiam muitos interesses em jogo. Fizeram
reuniões para definir como tudo seria”, explana o historiador.
Na noite de 10 de outubro de 1917, Delmiro Gouveia fez o que costumava
fazer. Sentou-se no alpendre de seu chalé em Água Branca (AL) para ler jornal.
Foi acertado por dois tiros: um no braço e o outro certeiro, no peito, varando
o coração. Um terceiro disparo deixou na parede a marca da violência. Róseo e
Jacaré haviam sido mandados pelos próprios mandantes do assassinato para
Sergipe, sob a alegação de que fariam um serviço para o coronel Neco de
Propriá. Ao chegar lá, o trabalho foi suspenso. Quando voltaram, ambos foram
acusados do crime.
Chalé
onde o industrial foi assassinado a tiros, em 10 de outubro de 1917
Entre as mais de cem fotos pesquisadas por Teixeira, está uma de Luís
Padre e Sinhô Pereira, tirada em 1917, na Vila da Pedra. “O que eles estavam
fazendo lá?”, indaga. Numa entrevista em 1951, detalhada no livro, Róseo
revelou a história de que foi chamado à mansão da família Torres poucos dias
antes da morte de Delmiro e lá viu dois homens, chamados “Luís Pedro e
Sebastião Pereira”, recebendo ordens. “Basta ligar os fatos para chegar aos
nomes de Luís Padre e Sinhô Pereira como os executores de Delmiro”, assinala
Teixeira, que diz não ser dono da verdade. Frisa que seu livro é, antes de
tudo, uma interrogação a mais. Talvez um ponto final.
Edição de Segunda-Feira 17 de outubro de 2011
SERVIÇO - Livro: Quem Matou
Delmiro Gouveia?
Autor: Gilmar Teixeira
Edição do autor
152 págs.
Contato para aquisição
gilmar.ts@hotmail.com
Valor: R$ 30,00 + R$ 5,00 (Frete simples)
Total R$ 35,00
Edição do autor
152 págs.
Contato para aquisição
gilmar.ts@hotmail.com
Valor: R$ 30,00 + R$ 5,00 (Frete simples)
Total R$ 35,00
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