quarta-feira, 10 de agosto de 2016

O Estudante Alsaciano
Antigamente, a escola era risonha e franca.
Do velho professor as cans, a barba branca,
Infundiam respeito, impunham simpatia,
Modelando as feições do velho, que sorria
E era como criança em meio das crianças.
Como ao pombal correndo em bando as pombas mansas,
Corriam para a escola; e nem sequer assomo
De aversão ou desgosto, ao ir para ali como
Quem vae para uma festa. Ao começar o estudo,
Eles, sem um pesar, abandonavam tudo,
E submissos, joviais, nos bancos em fileiras,
Iam todos sentar-se em frente das carteiras,
Atenta, gravemente — uns pequeninos sábios.
Uma frase a animar aquele bando impele,
Ia ensinando a este, ia emendando aquele,
De manso, com carinho e paternal amor.
Por fim, tudo mudou. Agora o professor,
Um grave pedagogo, é austero e conciso;
Nunca os lábios lhe abriu a sombra d’um sorriso
E aos pequenos mudou em calabouço a escola
Pobres aves, sem dó metidas na gaiola!
Lá dentro, hoje, o francês é língua morta e muda:
Unicamente o alemão ali se fala e estuda,
São alemães o mestre, os livros e a lição;
A Alsacia é alemã; o povo é alemão.
Como na própria pátria é triste ser proscrito!
Frequentava também a escola um rapazio
De severo perfil, enérgico, expressivo,
Pálido, magro, o olhar inteligente e vivo
— Mas de intima tristeza aquele olhar velado
Modesto no trajar, de luto carregado...
— Pela pátria talvez! — Doze anos só teria.
O mestre, d’uma vez, chamou-o á geografia:
— "Dize-me cá, rapaz... Que é isso? estás de luto?
Quem te morreu?"
— "Meu pai, no último reduto,
Em defesa da pátria!"
— "Ah! sim, bem sei adiante...
Tu tens assim um ar de ser bom estudante.
Quais são as principais nações da Europa? Vá!"
— "As principais nações são... a França..."
— "Hein? que é lá?...
Com que então, a primeira a França! Bom começo!
De todas as nações, pateta, que eu conheço,
Aquela que mais vale a que domina o mundo,
Nas grandes concepções e no saber profundo,
Em riqueza e esplendor, nas letras e nas artes,
Que leva o seu domínio ás mais remotas partes,
A mais nobre na paz, a mais forte na guerra,
D’onde irradia a ciência a iluminar a terra,
A maior, a mais bela, a que das mais desdenha,
Fica-o sabendo tu, rapaz, é a Alemanha!"
Ele sorriu com ar desprezador e altivo,
A cabeça agitou n’um gesto negativo,
E tornou com voz firme:
— "A França é a primeira!"
O mestre, furioso, ergue-se da cadeira,
Bate o pé, e uma praga enérgica lhe escapa.
— "Sabes onde está a França? Aponta-a a no mapa!"
O aluno ergue-se então, os olhos fulgurantes,
O rosto afogueado; e enquanto os estudantes
Olham cheios de assombro aquele destemido,
Ante o mestre, nervoso, audaz e comovido,
Tímido feito herói, pigmeu tornado atleta,
Desaperta, febril, a sua blusa preta,
E batendo no peito, impávida, a criança
Exclama:
— "É aqui dentro! aqui é que está a França!"
Acácio Antunes



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