O ÚLTIMO BOLERO
O Grêmio Recreativo Ipuense revestia-se da maior suntuosidade
para receber a fina flor da sociedade
dos anos dourados. De imponente construção e de impressionante luminosidade o
clube abria suas largas portas para a realização dos bailes tradicionais da
cidade. Ao som de valsas e boleros as damas rodopiavam no salão com elegantes
cavalheiros. Do lado de fora as modistas admiravam embevecidas o fruto de seus
trabalhos que emolduravam a silhueta das lindas donzelas de outras épocas. O
“sereno” também era composto de damas do passado que recordavam com saudades
seus amores e suas ilusões que se perderam no tempo. Muita gente curiosa e
bisbilhoteira se aproximava das janelas para constatar se o casal dançava
colado ou se o cavalheiro beijava furtivamente o rosto de seu par. Tudo era
puro e simples mergulhado na poesia de um tempo romântico em que a vida
marchava ao compasso dos sonhos e devaneios. Os vestidos soirée realçavam a
cintura das jovens e senhoras. Saias rodadas, cortadas em godê duplo, abertas
pelo poder das anáguas de renda que faziam o corpo flutuar na cadência de uma
música inesquecível. Saudades do meu vestido coral, de cânhamo, italiano,
modelo trapézio, que fazia realçar a minha juventude. A orquestra, de ritmo
lento e cadenciado era um verdadeiro sonho. Eram orquestras, contratadas de Parnaíba,
Sobral ou Fortaleza. A estrada de ferro facilitava a vinda dos rapazes de
Ipueiras, Nova Russas e Reriutaba. Os jovens de Guaraciaba desciam a Serra
Grande em carros fretados. Tudo era ternura numa época em que se respirava PAZ.
Os anos dourados eram tecidos de luz de
amor de mistérios e de encantamentos… Depois surgiu o incomparável conjunto: OS
COMETAS, formado por músicos e cantores ipuenses. Foi a nossa época de ouro. As
festas e as serenatas ecoavam na verde serrania sob os acordes da canção da
BICA.
Ipu é uma cidade linda porém sem memória. O prédio suntuoso
entrou em decadência e foi descaracterizado perdendo totalmente a beleza de sua
arquitetura.
Do Grêmio Recreativo de outrora só restou a saudade. As
relíquias do Gabinete Ipuense de Leitura ainda estão guardadas na Biblioteca
Francelina Martins de Araújo, nas dependências da Escola de Ensino Fundamental
e Médio Auton Aragão. O prédio do Palacete de Iracema foi vendido e o tempo
levou o que existia de cultura e de história de um povo. Hoje ainda ouço os
acordes de uma melodia que para mim é a lembrança viva do último bolero:
(“SOLAMENTE UNA VEZ”).
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