quarta-feira, 6 de julho de 2016

O ÚLTIMO BOLERO

        O Grêmio Recreativo Ipuense revestia-se da maior suntuosidade para receber a fina flor da  sociedade dos anos dourados. De imponente construção e de impressionante luminosidade o clube abria suas largas portas para a realização dos bailes tradicionais da cidade. Ao som de valsas e boleros as damas rodopiavam no salão com elegantes cavalheiros. Do lado de fora as modistas admiravam embevecidas o fruto de seus trabalhos que emolduravam a silhueta das lindas donzelas de outras épocas. O “sereno” também era composto de damas do passado que recordavam com saudades seus amores e suas ilusões que se perderam no tempo. Muita gente curiosa e bisbilhoteira se aproximava das janelas para constatar se o casal dançava colado ou se o cavalheiro beijava furtivamente o rosto de seu par. Tudo era puro e simples mergulhado na poesia de um tempo romântico em que a vida marchava ao compasso dos sonhos e devaneios. Os vestidos soirée realçavam a cintura das jovens e senhoras. Saias rodadas, cortadas em godê duplo, abertas pelo poder das anáguas de renda que faziam o corpo flutuar na cadência de uma música inesquecível. Saudades do meu vestido coral, de cânhamo, italiano, modelo trapézio, que fazia realçar a minha juventude. A orquestra, de ritmo lento e cadenciado era um verdadeiro sonho. Eram orquestras, contratadas de Parnaíba, Sobral ou Fortaleza. A estrada de ferro facilitava a vinda dos rapazes de Ipueiras, Nova Russas e Reriutaba. Os jovens de Guaraciaba desciam a Serra Grande em carros fretados. Tudo era ternura numa época em que se respirava PAZ. Os anos dourados eram tecidos  de luz de amor de mistérios e de encantamentos… Depois surgiu o incomparável conjunto: OS COMETAS, formado por músicos e cantores ipuenses. Foi a nossa época de ouro. As festas e as serenatas ecoavam na verde serrania sob os acordes da canção da BICA.
        Ipu é uma cidade linda porém sem memória. O prédio suntuoso entrou em decadência e foi descaracterizado perdendo totalmente a beleza de sua arquitetura.
        Do Grêmio Recreativo de outrora só restou a saudade. As relíquias do Gabinete Ipuense de Leitura ainda estão guardadas na Biblioteca Francelina Martins de Araújo, nas dependências da Escola de Ensino Fundamental e Médio Auton Aragão. O prédio do Palacete de Iracema foi vendido e o tempo levou o que existia de cultura e de história de um povo. Hoje ainda ouço os acordes de uma melodia que para mim é a lembrança viva do último bolero: (“SOLAMENTE UNA VEZ”).


Nenhum comentário:

Postar um comentário