quinta-feira, 30 de julho de 2015

Mestre Hélder Câmara e o xadrez nas belas crônicas de “Caíssa”
“Acredito, amigo leitor, que estamos diante do melhor livro já escrito sobre xadrez no Brasil - ou, pelo menos, do mais fascinante”
Um sábado, há algumas semanas, o telefone soou e, do outro lado, estava o Mestre Internacional Hélder Câmara.
Hélder é uma lenda do xadrez brasileiro, duas vezes campeão brasileiro (1963 e 1968), três vezes vice-campeão (1964, 1966 e 1969), integrante da equipe brasileira nas Olimpíadas de Xadrez de Lugano (1968), Siegen (1970), Nice (1974), La Valletta (1980), Tessalônica (1984), e único teórico brasileiro a elaborar uma Defesa (as pretas, no xadrez, empreendem a “defesa”, enquanto as brancas, que iniciam o jogo, empreendem a “abertura”), a Defesa Câmara.
Porém, Hélder se distingue também por outras características: é capaz de comentar com propriedade um romance de Turgueniev ou de Graciliano, contar pitorescos casos que presenciou, fazer agudas observações sobre os mais variados assuntos e fulminar os opressores de nosso povo com a fúria dos justos. Em suma, é um humanista como poucos existiram neste país.
Naquele sábado, combinamos encontrar-nos no Centro Cultural São Paulo (“é o único lugar onde ainda se pode jogar xadrez de graça nessa cidade”, disse ele). Apareci com minha mulher, Sandra, e antes que o leitor se pergunte porque estou dizendo isso, notarei apenas que o ambiente entre os jogadores no Centro Cultural era fundamentalmente masculino – e a minha mulher não joga xadrez. Mas gostou muito – e não precisou entender de xadrez para conversar com o mestre.
Hélder presenteou-me com seu livro de crônicas, “Caíssa”. Eu não o conhecia. Nas três semanas seguintes, fiquei, sempre que pude, agarrado ao livro. Acredito, amigo leitor, que estamos diante do melhor livro já escrito sobre xadrez no Brasil - ou, pelo menos, do mais fascinante. Hélder tem um talento especial para resumir complicados problemas teóricos em frases lapidares. Como em Lenin – para citar outro enxadrista – este é um talento que só têm aqueles com generosidade para transmitir ao próximo o conhecimento que duramente conquistaram.
“Caíssa” é, antes de tudo, uma obra-prima literária. Hélder, como já mencionei, é um homem culto – e sua familiaridade com o tesouro cultural da Humanidade transparece luminosamente nas páginas de “Caíssa”, num estilo enxuto, avesso à prolixidade e aos rococós de linguagem.
O pior serviço já prestado ao xadrez - ou, melhor, contra o xadrez - é a imagem, hoje corriqueira, de que jogador de xadrez só pensa em xadrez. Há mesmo quem pense que o cérebro dos adeptos desse jogo tem um formato especial: quadrado e dividido em 64 outros quadrados, brancos e pretos alternadamente. E, honestamente, há quem justifique essa imagem.
No entanto, Lenin, Stalin e Che foram praticantes entusiasmados do xadrez, assim como, até hoje, Fidel – que até jogou, em parceria com o então campeão mundial Tigran Petrosian, uma partida contra Bobby Fischer (por sinal, Fischer perdeu a partida...).
Benjamin Franklin e o Cardeal Richelieu também eram jogadores de xadrez, assim como Diderot, Einstein, Goethe, Newton, Turgueniev, Cervantes, Rousseau, Tolstoy, Robespierre e Montaigne. No Brasil, Machado de Assis foi um dos participantes do primeiro torneio de xadrez acontecido no país, em 1880, e Guimarães Rosa era um aficionado desse nobre jogo.
As crônicas de “Caíssa” foram originalmente publicadas no “Diário Popular’, jornal que existia em São Paulo. Publicamos hoje a crônica de abertura do livro. Assim, o leitor terá uma amostra – e verá que não exageramos.
CARLOS LOPES
HÉLDER CÂMARA

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