O S T U M E S N A M E S A
Fomos convidados á falar sobre os
costumes na mesa em nossa infância.
Nós éramos em torno de dezesseis pessoas e o
único do interior do Brasil era eu. Por tudo isso, imaginei que tivemos infâncias
diferentes, principalmente na mesa. Apesar de saber que a infância é toda
igual. Naquele momento de nossa vida somos apenas barro nas mãos do oleiro.
As formas que nos são dadas são
moldadas pelo ambiente em que vivemos, pelo os costumes e pelo o momento.
Resolvi mais uma vez falar de meu
mundo, até para facilitar o entendimento deles. Nasci numa pequena aldeia
chamada: “Morrinhos” esse nome lhe foi dado por existir lá muitos mundurús, -
pequenos cupinzeiros – formando assim muitos morrinhos.
Essa aldeia tinha pouco mais de cem
casas, incluindo as dos colonos ou agregados.
As casas desses colonos eram pequenas e feitas
de taipas e cobertas de palhas de babaçu, algumas cobertas de telhas. Em geral
esses casebres tinham três cômodos: sala, quarto e cozinha; tinha uma porta na
sala e outra na cozinha, não tinham janelas. Na pequena sala enfiava-se uma
forquilha de três pontas e sobre essa um pote d’água de beber, e encima desse
pendurado estavam o caneco feito de velhas latas de óleos ou de flandres, -
lâminas tiradas de latas de querosene usadas – e feitas por artesão chamados de
flandeiros e que passavam por ali vez em quando, vendendo esses canecos, eles também faziam lamparinas do próprio flandres
ou aproveitavam vidros de remédios usados colocavam uma azeia e estava feito
uma lamparina para a iluminação da casa. No quarto eles dormiam em redes e
tinha um único móvel: uma mala de madeira onde guardavam as roupas. Na cozinha
havia outro pote d’água, esse para os afazeres da comida. A comida era feita em
panelas de barro, (cerâmica) e invés de fogão, era colocado num canto da
cozinha três pedras chamadas de trempes, sobre elas colocava-se a panela e por
entre as trempes coloca-se a lenha é desnecessário dizer que não tinha gás nem
luz.
No
mesmo quarto estavam ás redes das
crianças que só eram transferidos dali quando estavam ficando espertinhos, por
volta dos dez anos, aí iam para a sala.
Ricos ali não existiam; as casas dos
abastados não diferenciavam muito daquelas choupanas. Eram maiores e, algumas
de adobe, a maioria era m de taipas, todas cobertas de telhas. Quase sempre
eram grandes, tinham muitos cômodos, algumas salas muitos quartos, que eram
chamados de camarinhas.
Todas essas casas tinham um quarto chamado
dispensa, era onde se guardava os mantimentos; algumas tinham alpendres. Os
moveis dessas diferenciavam muito das dos colonos, na sala tinha muitas
cadeiras, feitas de madeira de lei e cobertas com couro cortido, -sola – além
dessas tinha ainda um ou dois bancos de madeira. Havia a sala dos potes que
invés da forquilha tinha o banco dos potes, quase sempre um móvel trabalhado e
acoplado a esse estava á copeira, não só os potes, mas também as copeiras eram
cobertas com toalhas bordadas e de grande beleza. Na camarinha do casal tinha
cama e baús, os demais dormiam em redes, inclusive as visitas.
Na cozinha, invés de trempes, havia
um fogão de chapa, de três, quatro ou cinco bocas; porém, á lenha. Na sala de
jantar tinha mesa e muitas cadeiras. As salas de jantar e a sala dos potes
muitas vezes se fundiam.
Também entre a sala de visitas e o interior da
casa tinha uma porta que era fechada por dentro. Isso tinha uma razão de ser. É
que era praxe dar-se hospedagem aos viajantes ou desconhecidos, fechava-se essa
porta por dentro para isolar-se a casa e a família do estranho.
Aquele povo tinha uma herança
cultural muito forte dos colonizadores, dos escravos e dos índios. A cultura
indígena entre eles ara a mais forte. Vou citar alguns costumes que perdurava
com aquela gente apenas para ilustrar o que eu disse: tomavam banhos pelados e
em grupos nos rios, várias vezes por dia, andavam descalços, e eram eximes
caçadores. Todas suas casas tinham armas de caças: espingardas, bestas, arcos e
flecha. Também sabiam fazer armadilhas para pegar caças como ninguém: arapuca,
quixó, gangorra e outras.
Pedi desculpas por ter desviado o
assunto pedido, mas era necessário se não eles não entenderiam os costumes na
mesa de minha infância.
Como eu falei que havia ali duas
classes sociais, também havia duas mesas distintas entre - si, a do colono e a
do abastado.
A mesa do colono era: estendido uma
pequena esteira de palha, no chão da cozinha e do lado era colocada a panela, a
dona da casa sentava-se ao lado e ia enchendo os pratos e entregando a cada um,
(os pratos eram de barro, -cerâmica-) o primeiro á ser servido era o marido
depois a hierarquias variava dependendo do afeto dela por cada um. Todos
sentados arredor daquela esteira e comiam com colher, isso porque depois do
prato principal era servido um ou dois pratos de caldo e, caldo sem colher não
dá. Ao terminar a refeição era feito uma prece, agradeciam a Deus e pediam a
benção aos pais e aos padrinhos se estivessem presentes.
Na casa do abastado, como eu já
mencionei havia uma mesa, a dona da casa tirava a panela do fogão e as colocava
ao lado da mesa e ia fazendo os pratos e distribuindo. O primeiro era para o
marido. Depois ia servindo aos outros; os pratos eram de ágata ou louça;
comia-se com colheres e com as mãos, na mão direita segurava-se a colher e com
ela levando á boca: o pirão, o feijão, a farofa e outros sólidos; e com a mão
esquerda segurava-se a carne e a levava á boca que a natureza sabiamente
ornamentou com: caninos para furar, com incisivos para cortar, com molares e
pré-molares para triturar.
Após a refeição era feito uma prece
em forma de poesia, ou trova. Dizia a prece: “É Deus quem nos cria, é Deus quem
nos dá o sustento. Bendito e louvado sejas. – Oh Santíssimo Sacramento.”
Os talheres já existiam por lá, só
que estavam guardados em baús para ocasiões especiais, as grandes festas, principalmente
as de noivados, -casamentos – e que os noivos e alguns convidados treinavam
previamente para trinchar no dia do grande banquete.
ALPENDRE – Varanda que circundava as
casas dos coronéis.
BAÚ – Móvel feito com madeira de lei
e revestido de couro, trancado com fechadura ou cadeado, onde é guardado
roupas, objetos de valores e dinheiro.
Do livro: “Fragmentos de Uma Oficina
Acadêmica”
De Amadeu Lucinda.
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