O MIGRANTE
A terra que nos viu nascer, o nosso berço natal exerce
um grande poder sobre nós. O lugar onde nascemos é como a nossa própria mãe.
Corta-se o cordão umbilical, mas continuamos ligados a
ela por toda nossa vida.
Quando nos ausentamos de nossa mãe levamos conosco o
cheiro de seu suor que é o maior perfume que o nosso olfato já conseguiu
sentir.
Quando deixamos a terra em que nascemos levamos também
conosco o cheiro das primeiras chuvas e que ela emana, o cantar de seus
pássaros e todas as lembranças de coisas que permearam nossa infância.
Ninguém deixa o calo de sua mãe por prazer, deixamos
por que somos expulsos pelos acontecimentos da vida.
Não deixamos a terra mater por prazer, são as
imposições da vida que nos obriga a deixá-la. E, aí migramos. Assim como aquele
colo materno nos deu segurança nos primeiros meses de nossa vida, a terra que
nos viu nascer, seus costumes, sua sociedade, nossa família formou nosso
caráter.
Aqueles migrantes que hoje longe de nossos Morrinhos
Novos, Reriutaba, Carnaubal ou de minha Guaraciaba do Norte e que hoje enriquecem
esses sites com seus devaneios. Tiveram todos eles uma coisa comum: sofreram ao
deixar seu torrão natal e com ele muitos de seus amores; desde o pião que
deixou o Riacho das Flores, o Oitizeiro ou os Morrinhos Novos, a Sussuanha a
Cachoeira, a Macambira, assim como o
Dionísio Ximenes que embora com curso superior - veterinário - deixou sua Reriutaba e hoje milita no Rio Branco capital
do Acre.
Eudes, Chagas, Amadeu, Márcia, Mauriene, David, João,
José, Maria ou Raimunda. Todos teriam ficado lá se houvesse uma maneira de lá
viver com o mínimo de dignidade.
Acontece uma coisa inexplicável: eu moro no Rio de
Janeiro há cinqüenta anos, todas as vezes que visito minha terra. Eu não me
lembro que um dia saiu de lá. Quando, estando lá e encontro alguém e essa pessoa me pergunta onde
moro? Respondo, talvez até mesmo de
forma inconsciente: eu moro nos Morrinhos. Isso com toda consciência não me
lembro que um dia saiu de lá. Conversando certa vez com a Márcia Mendes – minha
amiga - que visitara sua terra: - Reriutaba - depois de vinte e três anos, ela
me disse que com ela acontecera a mesma coisa.
A maioria desses migrantes vence na vida; não sem
antes passarem por grandes sofrimentos. Alguns deles enveredam pelo caminho do mal, o mundo do
crime. Há alguns anos tivemos aqui no Rio um bandido que deu muito trabalho pra
polícia carioca, quando o mataram, soube que o mesmo havia nascido no Ipú e se
criado na Varjota.
Uma vez eu saia de uma aula na UERJ e ia almoçar, em
frente ao Maracanã, ia atravessar a rua quando fui abordado por um sujeito que
me pediu ajuda dizendo que estava com muita fome. A palavra fome me comoveu; pois já senti na pele, estava disposto
ajudá-lo quando ele falou que: no Ceará tinha casa e comida e que aqui dormia
em marquise e passava fome, quando falou Ceará aquilo me tocou mais forte.
- Você é do Ceará? Perguntei-lhe. Sim, respondeu-me.
- De que lugar? De Guaraciaba do Norte me respondeu.
- De que lugar? E quem são seus pais?
- Sou do Buraca
d’água.
- Quando ele me
respondeu, desse-lhe que conhecia tudo, porque eu também era de lá. Aí a coisa mudou! Disse-me
ele, não estou com fome e nem preciso de sua esmola.
- Sou assaltante, já matei no Ceará, já matei aqui e
tenho mais dinheiro que você, e metendo a mão no bolso tirou um maço de
dinheiros e acrescentou: não vou lhe matar por que você é do bem.
- Respondi: eu
sou do bem, e você é um otário. Me diz que é bandido sem se quer, saber quem eu
sou, apenas porque lhe disse que também
sou do Ceará? Posso te dá um cangapé aqui agora te jogar dentro desse Rio Maracanã que irá dar muito trabalho para os
bombeiros o encontrar, ele era um sujeito pequeno e estava bêbado ou drogado.
Ele foi embora sem me molestar, porém aquele episódio
me deixou muito triste, pensei em seus pais, em sua família, em fim é a vida.
Amadeu Lucinda
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