O
C A R N A V A L
Fomos convidados á
escrever sobre o carnaval. Falem dos carnavais de suas infâncias. Ordenou a
coordenadora, quais as lembranças, o que eles foram para vocês.
Tenho uma colega na
faculdade: a Luíza, ela escreve muito bem, também é muito transparente a
maneira que ela narra os fatos, ela vivencia o que escreve. É gostoso lê-los.
Sempre gostei muito de
carnaval desde pequena, disse ela. Eu respondi:
esperamos que quando crescer continue gostando, respondi, em tom de brincadeira. Uma vez que ela
pequenininha. – Todos riram. A Luíza é
esposa de um militar que fora transferido para o Ceará há alguns anos, portanto
ela morou em Fortaleza por algum tempo. Ela como boa carioca, dizia ela que as
duas grandes paixões de sua vida eram o carnaval e o flamengo; para não fugir a
regra do bom carioca. No carnaval ela preparava uma orquestra, os instrumentos
da mesma eram divinos: latas de goiabadas, de leite e até mesmo uma lata de
banha de vinte quilos ela usou como tambor. É desnecessário dizer que era vazio.
Ela e suas coleguinhas molhavam papel vermelho para pintarem os rostos. Isso
foi a Luiza criança. Já adulta e com a cumplicidade de sua mãe ela aprontava,
travestia-se com a roupa de seu irmão e saia no bloco dos sujos. Até mesmo o
velho carrilhão da sala compartilhava da farsa,
ela o atrasava, isso para com a cumplicidade da mãe, para
enganar seu pai da hora da chegada. Menina levada foi você, Luíza!!!
Desculpe a
brincadeira, colega. Você foi apenas normal. Todos nós fizemos isso; e se não o
fizemos foi por falta de oportunidade. Mas, bem que gostaríamos de tê-las
feito.
Falei: pessoal! Eu venho de uma cultura muito diferente da de
vocês. Ás vezes até me pergunto; em se tratando de cultura nem sei como
sobrevivi nessa selva de pedras; nem sei como me faço entender, tanto são ás
diferênças culturais.
Na minha região,
educava-se pelo medo. Achava aquela gente que, só se educava pelo medo. Era
bonito e até elogiável dizer-se que os filhos tinham medo dos pais, invés de
dizer que os mesmos tinham respeito por eles, e que são coisas bem diferentes.
Nas escolas havia castigos físicos, ensinava-se pelo medo. Os instrumentos de
tortura eram: palmatória e a régua, não raros crianças eram postas de joelhos e
viradas de costas para a classe, isso apenas por não saber a lição. Tinha
também os famosos: argüi mentos, as quartas-feiras e sábados. Era mais um ata
de terror.
Nesse universo do
medo, havia dois referenciais que deveriam ser alcançado: o Céu ou o Inferno. O
Céu seria a recompensa do bem. O inferno seria o castigo do mau. Para o Céu, iriam os bons, o
Inferno era o castigo eterno, para onde iriam os maus os ruins. E para chegar á esses dois lugares tinham suas
regras. Para ir para o Céu, era ser bom, obediente e não pecar. Para ir para
Inferno era mais fácil, precisava apenas pecar. E o caminho para chegar ao
pecado tinha um binômio: Comunismo e Carnaval. Esses dois nomes apavoravam as
crianças, pois entendiam elas que, como ambos eram pecado mortal, ambos seriam
as portas do Inferno. E como a imagem que aquelas crianças tinham do Inferno
era do “Inferno de Dante” com as almas ardendo em fogo e uns aprendizes de
satanás, com espetos, enfiando-os naquelas indefesas almas. Ninguém queria nem
ouvir falar em comunismo e muito menos, em carnaval.
No entanto, carnaval
não é nada disso. É uma festa alegre, bonita e necessária; é o equilíbrio entre
as tensões que nos subcarregam a ano inteiro e a euforia que nos livra do
estresse diário.
O nordeste tem um
carnaval muito participativo e alegre. Principalmente, Bahia e Pernambuco. O
carnaval de Recife é um dos mais alegres do mundo. Ao frevo ninguém resiste.
Frevo é uma corruptela de fervo.
O carnaval carioca até
os anos setenta, quando ainda as escolas de samba não tinham abafado o carnaval de rua, o
mais bonito, democrático e participativo. Havia os concursos de fantasias em
diversas modalidades; porém, o mais empolgante era o concurso de músicas
vencedoras do carnaval. Para esse tinha até torcidas organizadas, com direito a
fã club e outros babados como dizia Araci de Almeida. Havia uma dupla que
ganhava quase todos os anos, - Zé e Zilda – suas músicas eram muito alegres
como o próprio carnaval: “o sacar rolha” “a turma do funil” “o caracol” e
tantas outras.
Eu cheguei aqui em
1954 e, com apenas dezesseis anos. Quase uma criança, vindo com aquela cultura
do medo e do pecado, o carnaval era uma grande ameaça. Fui trabalhar como
apontador de uma obra na Rua Barão de Itapagipe, nas confluências da Tijuca e
Rio Comprido e próximo aos morros do Turano, Salgueiro e Formiga, todos grandes
redutos de carnaval. Eu morava ali mesmo. Aproximava o carnaval de 1955. Desciam
daqueles morros os sambistas para seus ensaios na minha Rua, e tudo que eu via
era estranho e apavorador.
Naquele ano, foi
campeão do carnaval, a escola de samba: “Império Serrano” e a letra de seu samba começava
assim: “venho do lado de lá, minha gente chegou, chegou querendo abafar, ai... ai,
ai, ai, o doutor mandou Toto mundo sambar.” Era muito bonito o samba. Só que,
aquela gente que desciam do morro para sambar ali era algo diferente em minha
vida, coisa que eu nunca tinha visto e nem imaginava que existisse. Os
malandros, muitos com seus chapéus copa norte e sapatos bicolores e bico fino,
símbolos de malandragem, eram figuras estranhas as minhas lembranças do sertão.
Porém o que me colocava em pânico mesmo eram as mulheres; algumas com
mini-shortinhos, eu nunca tinha visto uma mulher de shorts, outras de minissaias
tão curtas. Quando começava a rufarem os tambores e os outros instrumentos de
percurção aquelas mulheres saíam requebrando com tanto volúpia que eu entrava em pânico. Imaginava
com o pensamento daquela criança vindo da cultura do medo e do pecado. Isso que
eu estou vendo deve ser a porta do inferno. E corria para meu quarto. E ainda
para meu desespero elas alteravam a letra da música daquele samba, dizendo: o
doutor mandou todo mundo...
Porém, isso era apenas
choque de culturas. Graças a Deus o homem é animal adaptável e eu me adaptei á
nova cultura. Passei a gostar de carnaval como todo bom carioca, aquelas
mulheres, hoje já bem mais avançadas não mais me apavoram. Mesmo sendo um
carioca nascido em Guaraciaba do Norte no Ceará, há mais de meio século.
Do livro: “Fragmentos
de Uma Oficina Acadêmica”
De Amadeu Lucinda.
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