Sebastião Valdemir Mourão
Um galego andava pelas
cidades do interior, oferecendo, de porta em porta, utensílios de cozinha, cama
e mesa. Nesse bate perna, fez muitos amigos às custas das bugigangas. Em cada
cidade, tinha pelo menos um em quem podia confi ar e usufruir da sua companhia
nas horas de folga. Numa dessas folgas, um de seus amigos lhe insultou pra irem
a uma festa. Foram. Chegando lá, se enrabichou por uma moça muito bonita que
logo lhe chamou a atenção. Cabelos longos, lisos, pretos; faces alvas, rosadas.
Parecia de louça. Alta, vestido longo, preto, salto alto, elegante. Uma dama.
Percebeu que ela também lhe olhava, que também chamava a atenção dela. Talvez
por ser um rapaz de fora. Ela aceitou o convite pra dançar com ele,
dirigindo-se pro salão em sua companhia, após ele espalmar a mão da esquerda
pra direita com um gesto de convite. Ele sentiu que dançavam com muita
desenvoltura, numa leveza tamanha que chamava a atenção de todos no salão.
Ninguém mais dançou. Pararam pra apreciar o galego dançando. Sentiu que todos
olhavam admirados. Era o centro das atenções. Sentia-se o rei da cocada preta.
Lá pela madrugada, ele, sentindo-se cansado, pediu pra parar e pra deixar ela
em casa. Ela consentiu, balançando a cabeça e soltando um sorriso sensual.22 -
Onde você mora? Perguntou ele. - Vamos seguindo em frente que eu vou
orientando. Quase em frente ao trilho e da estação ferroviária, uma casa
bonita, avarandada em arcos, jardim fl orido, colorido e, bem na frente, um pé
de eucalipto, exalando seu aroma agradável pelo redor da casa. - É aqui! Disse
ela. - Posso lhe visitar hoje de noite? - Será um prazer! Quase não dorme,
impressionado com a moça. Passou o resto do dia inquieto, esperando a hora de
se encontrar com ela. Voltou à casa da dama, bateu palmas. Ao sair uma senhora,
perguntou: - Madalena? - Entre. Respondeu a senhora, perguntando: - De onde
você conhece Madalena? - Ontem, passamos a noite dançando. Depois, vim deixar
ela em casa. A senhora convidou pra irem até a sala ao lado. Lá, uma galeria de
fotografi as, estilo pintura a óleo. Uma escrivaninha com a tampa sanfonada,
parecendo um piano antigo, fechado. Cadeiras de madeira de lei - pareciam de
cedro – e estufados de couro. Estantes escuras, frente de vidro, cheias de
livros antigos e raros. Numa olhada rápida, viu logo Flor do Lácio, de Cleófano
Lopes de Oliveira. Ela apontou pros quadros e perguntou: - Você reconhece quem
é ela, olhando pra essas fotos? - É a última da direita! Respondeu
instantaneamente. A Senhora olhou pra ele, coçou o queixo e mandou bala sem
medir as consequências:23 - Ela faleceu há dez anos! Ele sentou-se, sem querer,
e sem ser convidado. Suou frio, empalideceu. Quase não aguenta o tranco. Reviu
a festa, entendendo que todos olhavam pra ele porque estava, aos olhos dos
outros, dançando só. A Senhora tirou da gaveta do móvel do piano um santinho da
missa de sétimo dia e lhe presenteou, completando: - Minha fi lha deve ter
adorado passar a noite com o senhor. Espere um pouco que vou lhe fazer um chá
de capim santo, pra colocar os nervos no lugar. Depois de muita demora da mãe
dela, ele resolveu ir até a gaveta de onde ela tirou o santinho, pra ver se
encontrava algum retrato que lembrasse algum momento alegre. Pra sua surpresa,
encontrou, ao lado dos santinhos da moça, outro monte de santinhos de sétimo
dia da mãe dela, a mesma que tinha ido buscar o chá e ainda não tinha voltado.
Nenhum comentário:
Postar um comentário