O ÚLTIMO BOLERO
Maria Eunice Martins Melo Aragão
O
Grêmio Recreativo Ipuense revestia-se da maior suntuosidade para receber a fina
flor da sociedade dos anos dourados. De
imponente construção e de impressionante luminosidade o clube abria suas largas
portas para a realização dos bailes tradicionais da cidade. Ao som de valsas e
boleros as damas rodopiavam no salão com elegantes cavalheiros. Do lado de fora
as modistas admiravam embevecidas o fruto de seus trabalhos que emolduravam a silhueta
das lindas donzelas de outras épocas. O “sereno” também era composto de damas
do passado que recordavam com saudades seus amores e suas ilusões que se
perderam no tempo. Muita gente curiosa e bisbilhoteira se aproximava das
janelas para constatar se o casal dançava colado ou se o cavalheiro beijava
furtivamente o rosto de seu par. Tudo era puro e simples mergulhado na poesia
de um tempo romântico em que a vida marchava ao compasso dos sonhos e
devaneios. Os vestidos soirée realçavam a cintura das jovens e senhoras. Saias
rodadas, cortadas em godê duplo, abertas pelo poder das anáguas de renda que
faziam o corpo flutuar na cadência de uma música inesquecível. Saudades do meu
vestido coral, de cânhamo, italiano, modelo trapézio, que fazia realçar a minha
juventude. A orquestra, de ritmo lento e cadenciado era um verdadeiro sonho.
Eram orquestras, contratadas de Parnaíba, Sobral ou Fortaleza. A estrada de
ferro facilitava a vinda dos rapazes de Ipueiras, Nova Russas e Reriutaba. Os
jovens de Guaraciaba desciam a Serra Grande em carros fretados. Tudo era
ternura numa época em que se respirava PAZ. Os anos dourados eram tecidos de luz de amor de mistérios e de
encantamentos… Depois surgiu o incomparável conjunto: OS COMETAS, formado por
músicos e cantores ipuenses. Foi a nossa época de ouro. As festas e as
serenatas ecoavam na verde serrania sob os acordes da canção da BICA.
Ipu
é uma cidade linda porém sem memória. O prédio suntuoso entrou em decadência e
foi descaracterizado perdendo totalmente a beleza de sua arquitetura.
Do
Grêmio Recreativo de outrora só restou a saudade. As relíquias do Gabinete
Ipuense de Leitura ainda estão guardadas na Biblioteca Francelina Martins de
Araújo, nas dependências da Escola de Ensino Fundamental e Médio Auton Aragão.
O prédio do Palacete de Iracema foi vendido e o tempo levou o que existia de
cultura e de história de um povo. Hoje ainda ouço os acordes de uma melodia que
para mim é a lembrança viva do último bolero: (“SOLAMENTE UNA VEZ”).
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