A
MENINA DO RIACHO VERDE
– Pag. 72-73
Ela
corria ligeira pelas matas de Ipu colhendo flores silvestres para enfeitar os
cabelos. Era de uma beleza exuberante e agressiva. Alta, queimada do sol, olhos
verdes e luminosos, cabelos ondulados, corpo delgado e seios enormes saindo
pelo decote da blusa ajustada. Andava de pés descalços e usava saias curtas e
provocantes. Parecia um demônio, solta pelas caatingas com uma espingarda sobre
os ombros e a cartucheira em volta da cintura. A arma poderia disparar a
qualquer momento caso alguém tentasse se aproximar. Adorava provocar a
curiosidade dos homens e o ciúme das mulheres do Riacho Verde. Lá para os lados
do rochedo havia um olho d'água que alcançava o riacho perto do canavial. Era
um lugar tranquilo e bonito onde a menina gostava de tomar o seu banho matinal.
Quando ela pressentia alguém por perto começava a tirar a roupa bem devagarinho
e fazia o seu strip-tease à luz do sol e ao sopro da brisa. O corpo da moça era
uma verdadeira escultura embalando-se num ritmo discreto e sensual como se
fosse uma ninfa na cascata. Quando ela saía do esconderijo de pedras os pingos
d'água brilhavam como ouro no corpo nu que tremia de frio. A rapaziada curiosa
e enlouquecida assistia de longe aquela cena alucinante mas ninguém se atrevia
a chegar às rochas pois a espingarda estava lá e qualquer passo em falso poderia
ser fatal. Ela sabia como enlouquecer aquela gente com o poder da sua sedução.
Ela chegou ao Riacho Verde ainda bem pequena quando fora abandonada pela mãe na
cidade do Rio de Janeiro. O pai, cearense, trouxe a garota para ser criada
pelos avós. Nunca porém ela conseguia se adaptar e era uma estranha naquelas paragens agrestes
tão distantes da civilização, tão diferentes da realidade onde havia nascido.
Tornou-se rebelde a alimentar um ódio secreto por tudo aquilo que constituía o
seu novo mundo. Ninguém conseguia acalmá-la. As crianças nativas foram
despertadas pelas suas estórias fantásticas, pelo seu sotaque carioca e pelo
atrevimento de seus gestos. Seu nome era Steffany e soava sofisticado demais no
meio das Marias, das Franciscas e das Rosinhas. Aqueles olhos verdes e
profundos falavam de um mundo completamente desconhecido para as meninas
morenas, pálidas e magrinhas. Steffany era o contraste das vidas marcadas pelo
descaso dos governantes, pela discriminação regional, pelo desnível social, e
pelo abandono de homem que lida com a terra. Steffany pouco a pouco foi armando
a sua vingança contra aquela gente que nunca suportou a sua presença. Tornou-se
uma verdadeira índia perdida pelas matas. Aprendeu a carregar os cartuchos da
espingarda e se embrenhar no sopé da serra da Ibiapaba. Era uma nova Iracema, a
virgem dos lábios de mel, personagem de José de Alencar que imortalizou o Ipu
no cenário da literatura nacional. E a sua vingança foi provocar o amor dos
homens através de suas aparições matinais no rochedo silencioso. Era um momento
de glória e de êxtase. Um dia porém a bela carioca decidiu abandonar aquela
vida tão sofrida que se tornou monótona. Pegou carona com uma família que
viajava para o Rio de Janeiro.
E
nunca mais o Riacho Verde foi o mesmo. Tudo ficou mais pobre e mais triste sem
a presença marcante da moça que brincava com a fantasia dos rapazes e com os
sentimentos das mocinhas tão puras do lugar. O olho d'água parecia chorar e as
suas lágrimas se perdiam no leito sem vida.
Os
rapazes sempre voltavam ao rochedo mas só encontravam a frieza das pedras, a
saudade dos tempos ditosos e a lembrança de Steffany que mudou a paisagem e a
cabeça de muita gente. Nunca mais se ouviu falar da menina de olhos tristes que
enfeitiçava os homens do Riacho Verde.
Organizada
por Reis de Sousa)
Contos
do Brasil Contemporâneo – vol. XXV – 1998.
(Selecionados
pela Revista Brasília – D.F.)
“Palavras de Amor”.
Publicado
na Antologia Literária – Casa do Novo Autor Editora. São Paulo – 2000 – Pag.
202, 203 e 204.
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